“TERREMOTO” – Drama ou catástrofe?
Sequência de “A onda”, de 2016, TERREMOTO, de 2018 (produção norueguesa lançada nos cinemas brasileiros somente em 2020) é um drama frágil travestido de filme-catástrofe. Nas duas linhas que segue (drama e catástrofe), a proposta se revela equivocada por ser rasa na primeira e sucinta na segunda.
Depois de sobreviver à onda gigantesca que assolou o fiorde de Geiranger (o que ocorreu no primeiro filme), Kristian é agora um herói reconhecido. Porém, o geólogo não consegue viver a vida tranquilamente, tendo se afastado dos filhos e passando agora por um divórcio. Quando morre um colega responsável por uma possível descoberta de um terremoto iminente, Kristian corre contra o tempo para salvar a família.
Não é preciso assistir ao longa precedente para compreender bem tudo o que ocorreu de essencial, dado que a produção se preocupa em ser didática e considerando, é claro, que não há nada muito complexo ali. Poucos filmes-catástrofe conseguem uma abordagem profunda ao estilo “O impossível” (que ao menos se esmera em enaltecer o lado humano das personagens); a maioria se apoia na inflação dos perigos a níveis megalomaníacos, como “2012”, ou em criar um herói surreal, como “Terremoto: a falha de San Andreas”.
Nesse sentido, Kristian é um protagonista que transmite sinceridade mais pelo trabalho do ator do que pelo arco dramático da personagem. Não é à toa que Kristoffer Joner tenha chamado a atenção da indústria cinematográfica externa à Noruega, participando de “O regresso” e “Missão impossível – efeito fallout”. Mesmo ele sendo ótimo, é decepcionante como os laços familiares são mal trabalhados pelos roteiristas John Kåre Raake e Harald Rosenløw-Eeg. A rigor, não fica exatamente clara a razão do afastamento familiar, exceto por uma suposta negligência de Kristian. Segundo Idun (Ane Dahl Torp), ele não foi deixado por ela, mas foi ele quem os deixou (referindo-se a si e aos filhos). Quando ele diz que “só sabe procurar desastres por onde passa”, a resposta dela e, principalmente, a solução dada pelo texto, recaem em desnecessário clichê.
A relação com os filhos, por sua vez, padece de outro equívoco. A filha mais nova, Julia (Edith Haagenrud-Sande), limita-se a um recomeço contínuo. Ela mora longe dele, é certamente capaz de perceber o desleixo do pai na própria casa (que está uma bagunça), mas jamais o enfrenta para além de um fone de ouvido que supostamente evitaria uma conversa. Como ela ainda não chegou na adolescência, faz sentido uma aceitação mais passiva, porém o abraço após a ausência dele na apresentação é flagrantemente inverossímil. Quanto a Sondre (Jonas Hoff Oftebro), o filho mais velho, basta dizer que sua presença é irrelevante.
O grande trunfo do diretor John Andreas Andersen, sem dúvida, é o trabalho do elenco, com destaque a Joner. Considerando que Andersen tem um currículo mais extenso na fotografia (tendo dirigido três filmes, o primeiro em parceria, além de dois episódios de uma série norueguesa), a lógica levaria à conclusão de que este aspecto seria o melhor. Há uma escassez de luz que combina com o momento sombrio do protagonista, que realmente não quer iluminação na sua residência (com exagero quando ele precisa ler). Entretanto, é apenas em uma cena que a estética fotográfica se torna mais charmosa: a luz vermelha na cena do elevador tem duplo sentido, podendo se referir tanto ao clima de romance quanto ao perigo iminente.
A trilha musical do longa é genérica e os efeitos visuais, apesar de competentes, tardam em demasia para aparecer (pior, a aparição é fugaz). Apenas depois de setenta e um minutos de filme é que a ação começa, quando o drama já ultrapassou o limite do desinteressante. No começo, as cores podem ser indício de qualidade – do céu nublado ao vestuário de Kristian (sempre de cinza ou azul escuro), este destoando do de Julia (única que adota cores quentes, como vermelho e roxo) -; no fim, todavia, a elipse que a montagem faz em relação ao clímax da ação é bem frustrante (como os três saíram daquela ponta do prédio?).
“Terremoto” tem virtudes em seu plot, como o elucidativo texto do final e a crítica àqueles que subestimam os riscos dos desastres naturais (em especial Johannes e o professor de Sondre). Considerando, todavia, a estética razoável, aliada ao competente elenco, o filme deixa a sensação de que poderia ser muito melhor. Para quem espera a problematização de uma família traumatizada por um divórcio, não há nada disso; para quem quer uma catástrofe natural impressionante, piscar traz o risco de perder este breve momento. Para um filme que poderia ser bom, não ser ruim é uma decepção.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.