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“THE FLASH” – As bengalas da emoção

THE FLASH quer ser épico e certamente consegue – para os fãs do super-herói. Fazendo uma adaptação modesta da famosa HQ “Flashpoint” (“Ponto de ignição”), a versão em filme-solo do velocista escarlate se preocupa mais com fan services do que com a construção de uma narrativa sólida, mais com ação desenfreada do que com efeitos visuais. Ainda assim, não se pode dizer que o longa não empolga.

Depois dos eventos ocorridos em “Liga da Justiça” (2017), Barry Allen decide voltar ao passado para evitar que sua mãe seja assassinada e seu pai seja preso injustamente pelo homicídio. Quando viaja novamente para o presente, o herói se defronta com um efeito borboleta muito além do que imaginava: ele pode ter salvado seus pais, mas o planeta está em perigo graças ao retorno de um antigo vilão e a ausência dos seus conhecidos colegas da Liga – ao menos nas versões que ele conheceu.

(© Warner Bros. / Divulgação)

O diretor Andy Muschietti é ambicioso em sua obra: “The Flash” é um filme extenso, com doses desnecessariamente mastodônticas do que não precisava e insuficientes do que precisava. Primeiro: as sequências de ação, sobretudo a do começo, com montagem paralela entre o próprio Flash e o Batman, e a batalha final, não são ruins em termos de atmosfera, mas podiam ser consideravelmente mais curtas. A adrenalina é feroz e incansável tal qual o filme. Segundo: há uma superabundância de fan services e easter eggs que, naturalmente, causam palpitações nos fãs, mas pouco dialogam com o público em geral. Salvo uma exceção, as homenagens são fracamente conexas à narrativa.

A exceção mais importante é a participação de Michael Keaton, que, depois de tantos anos, retorna ao papel de Batman transparecendo uma alegria indescritível em reviver um dos principais papéis de sua carreira. O roteiro de Christina Hodson é paupérrimo de personagens: o vilão que se assume como tal na realidade é uma peça pequena no efeito borboleta; os colegas de trabalho e de moradia de Barry são meros alívios cômicos; o Bruce de Ben Affleck tem uma amizade com o protagonista que é reduzida a um (bom, mas apenas um) diálogo; a Supergirl de Sasha Calle é completamente volúvel; e Iris West (Kiersey Clemons)… aparece. Mesmo os pais do herói participam pouco, o que reduz bastante a carga dramática mesmo no clímax da comoção (impulsionada pela música e pelas atuações, não tanto pelo texto. A situação do Bruce de Keaton é diferente porque o regresso parcial daquilo que foi construído por Tim Burton fortalece o tom épico almejado por Muschietti (é uma lenda revivida!). Para quem assistiu a seus filmes de 1989 e 1992, sonora (a inesquecível Leitmotiv de Danny Elfman) e imageticamente (o logo, o traje, a Batcaverna, o veículos etc.), esse regresso é um deleite. O problema é que agindo assim o filme usa a nostalgia como bengala.

A necessidade desta bengala (dentre outras) é fruto não propriamente de equívocos, mas de fragilidades. A narrativa é frenética e já coloca Flash em ação, o situa no universo Joss Whedon (da sua Liga, não da Liga de Snyder) e não tarda para instaurar o ponto de ignição. O lado dramático, então, é negligenciado: a situação do pai se reduz a uma ligação; a ausência de um lar, a um flashback estilo “comercial de margarina” (romântico, bonito, curto e superficial). A comédia, por outro lado, tem forte presença, ora na autodepreciação (a visita de Iris), ora no humor físico ao qual Ezra Miller se expõe (e ele se expõe muito). Curiosamente, Miller transita melhor entre o drama (a emoção em almoçar com os pais) e a comédia (a corrida sem supervelocidade) do que o roteiro. O ator também é impecável contrapondo as versões de Barry, deixando claro que um é mais sério, o outro, mais bobo. O motivo para a contraposição é óbvio (a presença/ausência do trauma familiar), mas mal desenvolvido, o que é grave porque faz parte da ideia governante. O aprendizado do herói é profundo – nem todo problema tem solução e é preciso valorizar o que se tem enquanto se tem -, mas não aprofundado.

O roteiro emprega uma ótima metáfora para explicar a viagem do tempo; ela faz sentido no universo diegético, ainda que não convença externamente. De positivo, ainda, isso é motivo tanto para os impulsos narrativos (os novos desafios da nova linha do tempo) quanto para boas piadas (envolvendo membros da Liga). Entretanto, é aqui também que está um dos maiores problemas do longa: quando Flash viaja na Força da Aceleração (ignorando que esse conceito não é devidamente explicado), os efeitos visuais são assustadoramente pavorosos (talvez feita pela mesma empresa de “Liga da Justiça”, famosa por tirar o bigode de Henry Cavill). O desfoque tenta disfarçar a plasticidade vexatória das pessoas que cercam o protagonista, mas a tecnologia é gritantemente falsa (o mesmo ocorre na cena de ação inicial; bebês no estilo “Sniper americano” seriam melhores). Às vezes, os efeitos funcionam (as lutas do Batman são muito boas), mas a cena dos bebês e as da Força da Aceleração são, na melhor das hipóteses, risíveis. Porém, isso não importa: Andy Muschietti quis entregar um filme que empolgasse de alguma forma: pela nostalgia, pelo fan service, pela ação desmedida ou pelo humor majoritariamente funcional. Missão cumprida.

Em tempo: a DC/Warner apresenta novamente efeitos visuais ruins, comparáveis à série do mesmo super-herói (protagonizada por Grant Gustin). A diferença é colossal não no resultado, mas no orçamento. O que explica o mesmo resultado?