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“THE LODGE” – Simples derivação [21 F.Rio]

Em 2015, Veronika Franz e Severin Fiala deixaram os fãs do terror incomodados (no melhor sentido da palavra) com “Boa noite, mamãe“. Eles entregaram uma história de estranha atmosfera opressiva e ritmo lento que, para alguns, se encaixa na problemática categoria do “pós-terror”. A curiosidade, a partir dali, passou a ser saber se os diretores poderiam oferecer outras produções interessantes como a estreia. A julgar por THE LODGE, a resposta é não, afinal o que não é reciclagem do projeto anterior é simplesmente reutilização de elementos já vistos em outros filmes.

(© Hammer Film Productions / Divulgação)

Seis meses após a inesperada morte trágica de sua mãe, os irmãos Aidan e Mia recebem uma notícia do pai Richard: ele pretende se casar novamente e a escolhida se chama Grace. Durante a viagem de todos por uma gélida região afastada dos EUA, a madrasta se vê sozinha com as crianças em uma casa isolada. Tentando se aproximar dos dois, a mulher percebe que enfrentará ainda mais problemas no local que parece assombrado por eventos atípicos provocados por alguma entidade sobrenatural.

Enquanto a narrativa se predispõe a criar conflitos e ambientação iniciais, existem alguns poucos acertos relacionados ao estilo escolhido para o gênero. O minimalismo está presente tanto na construção silenciosa, surpreendente e impactante da morte da mãe, quanto no desconforto de Aidan e Mia em viverem com a nova esposa de seu pai. Já a localização da maior parte da ação é bem aproveitada por ser em uma área adversa de inverso rigoroso que exige um confinamento dos personagens. Porém, os méritos se reduzem quando várias tentativas de emular “Hereditário” são feitas sem qualquer tipo de ressignificação: a fotografia sombria nas locações interiores na mesma tonalidade; a sensação de algo fora do lugar anunciando uma tragédia iminente; e o uso recorrente de bonecos nas casas de brinquedos, onde encenam situações perturbadoras, ou no apego da menina por uma boneca específica.

Quando não tenta trazer à tona o trabalho de Ari Aster, Veronika Franz e Severin Fiala repetem a fórmula de “Boa noite, mamãe”. Novamente, há uma trama sobrenatural envolvendo a maternidade (com o acréscimo da figura da madrasta) que coloca em dúvida a realidade daqueles estranhos incidentes em função das desconfianças se não seriam fruto de influências fantasmagóricas, alucinações pela saúde debilitada de Grace ou loucura pelo isolamento. Mesmo usando um estilo já familiar a eles, o resultado dessa vez é meramente derivativo, sem provocar medo, inquietação ou outra sensação desconfortável por conta própria. No longa anterior, a estrutura dramática dialogava com o terror, diferentemente deste, em que as convenções do gênero surgem ocas e e desconectadas do conflito entre mãe e filhos.

Os cineastas também tentam inserir uma camada religiosa ao cenário do horror, mas só fazem dessa questão um artifício ilustrativo sem propósito dramático. É ilustrativo porque a casa onde os personagens estão é recoberta por cruzes cristãs e por retratos da Virgem Maria (objetos cênicos frequentemente enquadrados em planos-detalhe que insinuam a observação da madrasta). Contudo, o design de produção não é articulado ao desenvolvimento dos personagens, o que faz com que os jovens tenham uma relação com a religião, por intermédio da mãe, que nunca fica clara para o espectador; e Grace tenha uma trauma por conta das experiências trágicas com uma seita radical no passado que é mencionado muito rapidamente, aparece em breves flashes em sua mente e não é trabalhado claramente na jornada da mulher.

Mesmo retomando muito do que já havia sido feito anteriormente, a dupla de realizadores não resiste à tentação de criar jump scares pobres e facilmente antecipáveis por aqueles que, minimamente, já assistiram a filmes de terror (inclusive praticamente copiando uma cena específica de alucinação durante o sono de Toni Colette em “Hereditário”). Além disso, o incremento do jogo de sombras prejudica a fotografia, já que o escuro tão opressivo dificulta a compreensão da cena mais do que potencializa a ameaça ou complementa o conflito dramático. Nem o desenho sonoro, composto por acordes religiosos e ruídos em uma frequência perturbadora, conseguem evitar o lugar-comum desse tipo de ambientação. Apesar das fragilidades, alguns sinais de melhoria podem ser percebidos quando a desolação do frio e a iluminação típica daquele clima recebem maior atenção e algumas cenas tensas são criadas a partir de planos abertos em que o perigo caminha até suas vítimas silenciosamente e sem cortes na montagem.

Seria inadequado afirmar que “The Lodge” não apresenta alguns bons momentos de construção de atmosfera e imagens inquietantes. Ao mesmo tempo, seria problemático fechar os olhos para a repetição burocrática de elementos de terror da própria carreira dos diretores e do gênero como um todo e o precário desenvolvimento temático e de personagens. Nesse sentido, a fraqueza do filme é imaginar que apenas sensações pontuais preenchem a experiência cinematográfica e dispensam uma construção dramática mais apurada.

*Filme assistido durante a cobertura da 21ª edição do Festival do Rio (21th Rio de Janeiro Int’l Film Festival).