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“UM DIA CINCO ESTRELAS” – Um filme uma estrela

Grande parte da trama de UM DIA CINCO ESTRELAS envolve viagens de carro feitas por serviços de aplicativo. Nessa nova modalidade de transporte, um usuário solicita uma corrida, um motorista cadastrado a aceita, o deslocamento é feito e, ao final, o passageiro pode avaliar o serviço com uma cotação de até 5 estrelas. A comédia sugere algo similar ao espectador que senta no banco de trás e é conduzido pela narrativa. Tal qual uma viagem em um dos veículos, o filme conduz o público por uma hora e trinta minutos até o desfecho. Mergulhando de vez na analogia do transporte, o desfecho da crítica também apresenta uma avaliação por cotação.

(© Paris Filmes / Divulgação)

O condutor da história é Pedro Paulo. Ele passa por dificuldades financeiras junto com sua família após consertarem o telhado da casa com o dinheiro que sua mãe, Dona Nilda, usaria para viajar para Buenos Aires em busca do sonho de dançar tango. Por conta da situação, Pedro Paulo decide trabalhar como motorista de aplicativo para sair do sufoco. Enquanto dirige para diferentes passageiros e passa por experiências inusitadas, sua esposa Manuela tenta conseguir o cargo de gerente na loja onde trabalha disputando-o com Oswaldo.

Não há muita novidade no caminho a ser seguido nem no roteiro a ser desenvolvido. A rota pode ser antevista sem orientações evidentes de um mapa, mas não se precisa exigir originalidade. É possível reconhecer o que irá acontecer com o protagonista nas ruas e os demais personagens em seus próprios arcos situados em locações específicas. Pedro Paulo certamente encontrará passageiros incomuns e será levado para momentos caóticos em um dia tumultuado, capaz de dificultar a obtenção do dinheiro necessário para as dívidas e a realização dos compromissos em uma festa surpresa para sua mãe. Já Manuela irá encarar contratempos na loja e nas vendas em um dia que deveria ser perfeito para ser promovida. E Dona Nilda não terá sessões de relaxamento convencionais no spa para onde foi com a amiga Rose. A corrida no automóvel e na trama é afetada menos pela falta de surpresas em um trajeto familiar já visto antes e mais pelo que se encontra no veículo e nas características da narrativa.

Em determinado instante, o protagonista ouve e se indigna com o comentário de uma passageira sobre um carro antigo como o dele pode ser utilizado no serviço de aplicativo. O automóvel não é o único que evoca a sensação de antiguidade, já que a própria estrutura narrativa parece ser de um passado que ainda se mantém apesar das críticas. O diretor Hsu Chien Hsin dá à produção um estilo de sitcom de humor de canais de TV por assinatura, composta por um conjunto de esquetes que formam blocos isolados entre si. A estética televisiva não é um problema por si só, não é algo a ser colocado abaixo do cinema e sem poder dialogar com a linguagem cinematográfica. O questionamento é pensar até que ponto uma abordagem com três núcleos tão distantes sem grande ligação estilística ou coesão em um todo orgânico mais prejudica do que apoia o desenvolvimento de uma obra cinematográfica. Isso porque a estética televisiva não é incorporada de fato à narrativa e se torna uma barreira no trajeto dessa viagem e na exploração das possibilidades visuais do cinema.

No decorrer da história, o carro de Pedro Paulo sofre avarias que comprometem seu funcionamento pleno. Algo semelhante ocorre com uma narrativa que deixa de utilizar diversos elementos da linguagem cinematográfica e recorre somente às convenções de um programa de TV. A decupagem se mantém empobrecida pelo uso exaustivo de planos médios, que registram os acontecimentos, mas não transmitem uma ideia artística própria ao roteiro. Como consequência, o humor depende apenas do texto recitado pelos atores e não consegue criar piadas através da construção cênica ou da inserção de gags visuais. E nem seria viável trabalhar a comédia a partir dos espaços filmados, pois o interior do veículo não é aproveitado como fonte de humor e as demais locações (a loja de Manuela e o spa de Dona Nilda) não fogem da esterilidade de um estúdio padronizado e sem vida. Além disso, a iluminação natural de um set de televisão reforça as limitações dramatúrgicas do projeto ou contrasta com as tentativas abruptas de fazer algo diferente (a sequência externa chuva e a luz vermelha na casa de Pedro Paulo).

Se o caminho até o destino não precisa ser inovador para atingir seu objetivo, a mesma ideia acontece com o desenvolvimento do filme. Outros aspectos importam mais em uma viagem conduzida por motorista de aplicativo do que a previsibilidade ou não da rota, como a educação do condutor e a tranquilidade do deslocamento. Em uma comédia, a construção do humor pode ser mais relevante do que a criação de uma narrativa totalmente original. E quando o conteúdo das piadas não é surpreendente o cuidado com a forma precisa ser ainda maior. No caso do trabalho de Hsu Chien Hsin, o humor não tem o esmero de trabalhar o acabamento das piadas ou de atualizá-las para algo mais próximo de nosso tempo. Por isso, as piadas sobre o amor exagerado do protagonista por seu carro (chamando-o de mozão) repetem o ritmo, as viradas e as resoluções básicas que não geram grandes efeitos no público. Em outras passagens, a cena se estrutura com o princípio de sugerir algo no plano inicial e terminar com uma reviravolta inesperada no plano seguinte, mas o que se coloca como impensável pode ser adiantado com facilidade.

As dificuldades de criar o humor também giram em torno de parte significativa do elenco e das necessidades de cada núcleo. Algumas comédias sofrem com a muleta de tentar construir piadas através de gritos, atuações histriônicas e situações caóticas. Estas características marcam as desventuras de Pedro Paulo pelas ruas vividas com esse grau exagerado de interpretação de Estevam Nabote, as confusões de Manuela ao redor de momentos cada vez mais turbulentos sua loja interpretadas por Aline Riscado e o tom excessivo dos percalços de Dona Nilda encarnados por Nanny People. A simplificação do humor feita a partir de ações e abordagens constantemente hiperbólicas igualmente caracterizam as participações especiais de Ed Gama, Daniele Winits e demais atores coadjuvantes. É sintomático que todos os núcleos se encaminhem de maneiras muitos semelhantes para a conclusão, sempre criando momentos de apelos fáceis com berros e agitações de todo tipo. Uma comédia nesses moldes se assemelha, então, a um carro dirigido em altíssima velocidade como se fosse sinônimo de eficiência.

Um dia cinco estrelas” se mostra cada vez mais ultrapassado quando se aproxima do desfecho. A falta de momentos realmente engraçados se encontra com a resolução burocrática e sem inspiração dos três núcleos. O título poderia sugerir, a princípio, alguma relação direta entre a trama e a dinâmica dos serviços de aplicativo para transporte urbano, porém as rápidas inserções da linguagem gráfica dos celulares são nada criativas e exemplares muito discretos dessa prática contemporânea. O nome do filme se contenta a ser apenas a representação de um dia que terminaria muito bem. Uma escolha bem duvidosa para título, considerando o fim excessivamente prolongado que desconhece o momento de terminar a viagem porque acredita que precisa fechar todas as subtramas nos mínimos detalhes e a exibição de erros de gravação ao longo dos créditos de encerramento. Após a corrida ser finalizada, a cotação não pode ser cinco estrelas.