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“UM LUGAR BEM LONGE DAQUI” – Inofensivo por não convencer

É possível que o livro que serviu de base para o roteiro de UM LUGAR BEM LONGE DAQUI seja ótimo. Dentre os produtores do longa está Reese Witherspoon, que costuma escolher as obras de que participa a partir de uma ótica feminista. Nada disso, contudo, modifica o fato de que o filme é previsível e inofensivo.

Catherine “Kya” Clark teve uma infância sofrida e precisou se criar sozinha no brejo de sua cidade, na Carolina do Norte. De repente, ela se torna a principal suspeita do homicídio de Chase, um rapaz com quem ela havia se envolvido afetivamente há pouco tempo.

(© SONY PICTURES / Divulgação)

O brejo é um elemento importante no longa, que ressalta logo nos primeiros minutos (através da protagonista, em voice over) que “um brejo não é um pântano, (pois) um brejo é um lugar de luz”. É com base nisso que a diretora Olivia Newman insere elementos já conhecidos de um cenário pantanoso (lagos, animais, musgos, árvores etc.) e enfatiza a luz desse cenário (a maioria das cenas são diurnas e com bastante sol, os animais geralmente são inofensivos, como tartarugas e cegonhas, os ruídos são de pássaros etc.). Fica bastante claro, assim, que “um brejo não é um pântano”. O problema acaba sendo a credibilidade do design de produção em relação à protagonista, seja pelo figurino, seja pela atriz.

Daisy Edgar-Jones não tem desempenho ruim no papel principal, compreendendo o histórico difícil de Kya (violência doméstica e abandono desde a infância) e os reflexos comportamentais desse histórico. É o que ocorre no seu relacionamento com as personagens instrumentais, nomeadamente Tom Milton (David Strathairn), advogado voluntário com quem ela reluta em dialogar, e o casal “Pulinho” (Sterling Macer Jr.) e Mabel (Michael Hyatt), que, a despeito de ajudá-la, têm interação diminuta com ela em razão da sua timidez. A atriz transmite em Kya uma garota doce, introspectiva e ingênua que encontra em si mesma as forças para obter o que precisa. O primeiro erro está no vestuário de Kya, que, quando adulta, aparece sempre limpa demais para alguém que mora em um brejo. O segundo, que chama ainda mais a atenção, é a própria escolha da atriz em razão de suas características físicas: Edgar-Jones é pálida demais para convencer como uma garota que está constantemente exposta à luz do sol. Na prática, não há grande distinção estética entre ela e as outras da idade, o que prejudica o poder de convencimento da escolha da intérprete para o papel.

Ao lado de Kya estão Tate e Chase, os dois rapazes com quem ela se envolve. Tate, vivido por um doce Taylor John Smith, é paciente, apaixonado e disposto a fazer Kya feliz. Ele é bem diferente do Chase de Harris Dickinson, ator que incorpora a arrogância de um garoto que usa a sedução como arma para ter o que quer simplesmente porque quer. Os dois estão bem em seus papéis, com destaque para Dickinson, que funciona como vilão, mas o roteiro de Lucy Alibar (baseado no livro de Delia Owens) é incapaz de sair da previsibilidade do binarismo dos romances de Kya. É verdade que Tate não lhe dá apenas alegrias, assim como também é verdade que Chase não lhe é sempre ruim. Entretanto, a narrativa se torna bastante previsível na dinâmica do trio: o segundo aparece quando o primeiro desaparece e o embaraço surge quando o primeiro retorna.Isso não significa que o roteiro seja ruim, ele é apenas pouco (ou nada) surpreendente, o que prejudica a experiência. Existem tentativas de uma abordagem mais profunda, como em relação à exclusão social sofrida por Kya (preconceito, bullying, solidão), mas mesmo quando a opção é essa o resultado é superficial. Por exemplo, quando o Serviço Social vai atrás de Kya, não há maiores desdobramentos, funcionando como uma pequena adversidade e nada mais. O script é habilidoso ao trabalhar as linhas temporais e dá dinamicidade aos eventos, que seriam burocráticos em demasia caso seguida a cronologia unidirecional. Porém, falta potência para a crítica social ser digna de reflexão. A superação de obstáculos existe, mas não convence o suficiente para mexer com o público. Soma-se a isso o não convencimento da atriz que interpreta a protagonista e o resultado é inofensivo.