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“UM LUGAR SILENCIOSO – PARTE II” – Retrato paradoxalmente real e surreal da realidade

Em 2018 foi lançado o primeiro filme (clique aqui para ler a nossa crítica). À época, o extermínio de um número indeterminado de pessoas por uma ameaça de dificílimo enfrentamento e que exige restrições para a sobrevivência da humanidade parecia surreal demais. Lançado em 2021 após um período de fechamento dos cinemas do mundo, UM LUGAR SILENCIOSO – PARTE II é um retrato paradoxalmente real e surreal da realidade.

Após os acontecimentos do primeiro filme, Evelyn, Regan e Marcus precisam seguir sua jornada pela sobrevivência. O perigo representado pelas selvagens criaturas que caçam a partir da audição já é conhecido e assustador o suficiente, mas não é o único que a família Abbott precisa enfrentar.

(© Paramount Pictures / Divulgação)

A direção de John Krasinski mantém a solidez do primeiro longa, sem adições de destaque. Tecnicamente, seu filme é tão bom quanto o primeiro. No visual, a caracterização das personagens é bastante verossímil. Elas andam descalças, portanto seus pés estão sujos – no caso de Evelyn, um pé está com curativo, referência a uma cena da obra de 2018, cena que é repetida (com pequenas diferenças, mas o mesmo funcionamento), porém sem o mesmo impacto agora. Suas roupas também estão sujas, já que não há tempo para luxos como banho e limpeza. Os cenários são variados, sempre prevalecendo uma paleta de cores escurecidas para transmitir a sensação de degradação e (pelo) abandono.

Novamente, o som é o que mais chama a atenção, contudo a ausência de originalidade reduz o brilho do design de som. O trabalho não é ruim, mas não traz nenhuma novidade. A trilha musical instrumental é muito boa e a canção “Beyond the sea” traduz uma forma sagaz do emprego de uma música para fins narrativos. O esmero na mixagem de som é notório, sobretudo quando os ruídos (ou sua ausência) saem da subjetividade diegética e passam para o espectador – é o que ocorre, por exemplo, quando Regan coloca fones de ouvido em Marcus, ou quando ela fica sem seu aparelho auditivo.

A montagem é outro quesito técnico que ratifica o bom trabalho de Krasinski na direção. O clímax tem uma ascensão rítmica tão boa que, associada à montagem paralela, elastece a tensão que as cenas isoladas já teriam. Por outro lado, no roteiro o cineasta deixa a desejar – fato já percebido na primeira parte. É verdade que seu filme não dá muita folga para as personagens, sendo carregado de ação e suspense, mas não é menos verdade que a ousadia do primeiro (ao matar Lee) não marca presença. De certa forma, até mesmo o maior clichê do terror, a separação das personagens (que, juntas, seriam mais fortes), é usada como ferramenta narrativa (o que a montagem, como dito, aproveita como uma virtude do filme).

O longo prólogo do filme serve a um propósito claro – fornecendo uma resposta a uma pergunta que jamais foi formulada -, mas encanta pela adrenalina injetada. A sequência talvez seja longa demais, porém funciona adequadamente como recapitulação, ambientação e apavoramento. No que se refere ao medo, o melhor trabalho em cena é o de Noah Jupe, mostrando que o temor (a contração do corpo) de uma bola não se compara ao pânico (expressão de pavor, olhos esbugalhados etc.) do enfrentamento do risco de morte. Millicent Simmonds está em seu oposto em termos de atitude (a coragem mostrada no primeiro filme é potencializada aqui), colocando Regan em posição protagonista (e ela está ainda melhor que antes). Emily Blunt tem participação discreta quando comparada às crianças, o papel de Evelyn é bem menos desafiador que em 2018. Cillian Murphy aparece distante da elegância da maioria de seus papéis, a ambiguidade de Emmett é promissora, mas decepcionante quando se percebe que ele é ofuscado pela criança com quem contracena.

De todo modo, “Um lugar silencioso – parte II” é uma produção de 2020, planejada para ser lançada nos cinemas naquele ano, mas que estreia apenas em 2021 em razão do fechamento prolongado dos cinemas por força da pandemia de covid-19. A pandemia fez com que estabelecimentos de aglomeração de pessoas fechassem e fez com que multidões ficassem em suas casas para não correr o risco de contrair o coronavírus. Em 2018, quando lançada a primeira parte, uma restrição sonora imposta às personagens para sua sobrevivência parecia muito além do razoável. Em 2021, após uma experiência (por parte do público) de restrição de certas liberdades também pela sobrevivência, a segunda parte parece menos surreal (inclusive pelo atraso da estreia, uma triste rima entre ficção e realidade). No filme, a limitação de liberdades por um bem maior (a vida) é algo óbvio. Na vida real, lamentavelmente, nem tanto.