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“VAMPIRA HUMANISTA PROCURA SUICIDA VOLUNTÁRIO” – Isso sim é romance adolescente vampiresco [47 MICSP]

Recheado de metáforas para o que já foi visto antes, VAMPIRA HUMANISTA PROCURA SUICIDA VOLUNTÁRIO tem mais do que um título curioso a oferecer. Com um pouco de comédia mórbida e muito de romance inusitado, o coming of age floresce em um contexto improvável. Sem maiores pretensões, o filme é divertido e imensamente superior aos vampirescos similares.

Sasha é a “ovelha negra” da família: mesmo sendo uma vampira dependente do sangue e disposta a beber sangue para se alimentar, ela não está disposta a matar humanos para esse fim. Quando ela conhece Paul, um adolescente solitário e com desejos suicidas, a solução parece ser perfeita para ambos. Porém, o que eles realmente querem não é essa satisfação.

(© Art et essai / Divulgação)

Escrito pela diretora Ariane Louis-Seize junto de Christine Doyon, o roteiro do longa elabora, antes de tudo, um coming of age. De um lado, enquanto Georgette (Sophie Cadieux) quer a filha independente (“não vou caçar para todos por 200 anos”), Aurélien (Steve Laplante) não quer apressar o processo de amadurecimento, conflito parental típico desse campo temático. De outro, Paul sofre bullying, outro tema recorrente.

A partir disso, surgem metáforas interessantes e pouco usuais na roupagem vampiresca. Uma delas é a menstruação: a mãe se preocupa com o “aparecimento das presas”, o pai não tem pressa alguma; quando ocorre, simboliza o desenvolvimento fisiológico da garota, que, antes, é levada a profissionais para averiguar que tipo de problema ela pode ter (sem olvidar da associação com sangue). Outra metáfora, com igual pertinência para um filme de adolescentes, é a vontade sexual: quando Paul está caído, Sasha morde o lábio, corre de volta para casa e bebe o sangue do estoque com um prazer lascivo, como se estivesse se masturbando. A sexualidade fica ainda mais clara com Denise (Noémie O’Farrell), que inicia práticas de BDSM com suas vítimas e usa sempre da sedução feminina com suas presas, sempre homens.

O humor sai da naturalidade com que as situações são criadas, concernentes à vida dos vampiros, como a forma pela qual Sasha bebe o sangue, parecendo uma bebida qualquer. Essas situações são pitorescas, mas tratadas com tamanha naturalidade que se tornam cômicas, como quando Denise, tranquilamente, diz para o mexicano que a palavra de segurança “não será necessária”. Existe um viés ácido, em especial nas personagens Denise e Victorine (Marie Brassard), que são as mais frias quanto aos humanos, mas é o próprio universo diegético e suas personagens que garantem o charme do longa. Na reunião familiar do prólogo, percebe-se uma morbidez incompatível com a criança apresentada àquela realidade, de modo que o contreplongée em que os quatro olham para o baú é assustador para uma criança (tanto quanto o filme que lhe é exibido). Entretanto, a família de Sasha é bastante unida, tanto é assim que, quando pede ajuda ao genitor, todos se deslocam para o mesmo fim. Há muito de “A família Addams” em “Vampira humanista procura suicida voluntário”.

O que ocorre entre Sasha e Paul parece amor à primeira vista, considerando o zoom in em Sara Montpetit e Félix-Antoine Bénard na cena pertinente. A cena seguinte, por outro lado, é de terror, mas simboliza uma nova aproximação, com uma rima visual na qual o posicionamento de ambos é trocado: na primeira cena, ele está no alto e ela no chão; na segunda, é o oposto. A oposição ocorre também quando compartilham uma cama, momento em que ela fecha os olhos e coloca as mãos no abdômen, ao passo que ele faz o contrário até, logo após, imitar ela, demonstrando que, a despeito das diferenças, houve entrosamento entre eles. A fala de Paul no grupo é o momento em que ela definitivamente se apaixona, a partir de então, iniciam-se os clichês do romance adolescente. Isso não significa, contudo, má qualidade das cenas. Quando toca “Emotions”, da Brenda Lee, a cena é belíssima: um two-shot frontal com iluminação vermelha em uma cena longa, tocando a música inteira, na qual ela dubla e dança a canção ao lado dele, que demora mais para se sentir confortável para dançar e, ao fazê-lo, é totalmente fora do ritmo.

No universo dos vampiros, naturalmente, a fotografia exerce função relevante por força da iluminação escassa em praticamente todos os cenários (ou ao menos todos em que a protagonista aparece), tornando a obra graficamente verossímil (a partir das suas premissas, evidentemente). Também a caracterização inevitavelmente gótica de Sasha contribui para solidificar aquele universo: o vestuário geralmente preto, a maquiagem de palidez, o cabelo liso, longo e escuro etc.

Poderia haver mais esmero no desenvolvimento do romance de Sasha e Paul. Isso porque ele geralmente age sozinho em seu arco narrativo (do rapaz inseguro àquele que toma iniciativa), ao invés de construir seu relacionamento com Sasha, que primeiro assiste a ele para apenas depois assisti-lo. A impressão deixada é que Louis-Seize foi mais criativa na construção de mundo do que no desenvolvimento do romance. Não obstante, o filme da cineasta é imensamente superior a “Crepúsculo”, que se leva a sério demais mesmo tendo um vampiro que brilha na luz solar.

* Filme assistido durante a cobertura da 47ª edição da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (São Paulo Int’l Film Festival).