“VERMELHO MONET” – Frágeis pinceladas
Há quem diga que a paixão está sob perigo. Ameaçada por impostores, cabulada por uma série de obstáculos, sujeita a se desviar da própria veracidade. A repetição desse ideal tende a desgastá-lo, dificultando a relação entre as paixões e a arte. Nem por isso esse conflito deixa de originar uma série de expressões, que incorporam a deterioração de obras artísticas como ponto de partida. Ainda que acabe provando do próprio veneno, VERMELHO MONET se aprofunda nesse intervalo entre as obras e suas motivações.
Angustiado com os rumos de sua vida, Johannes Van Almeida busca uma forma de se reinventar no mundo das artes. Especialista em registrar corpos femininos, o pintor procura uma nova musa, retornando a um submundo artístico que é incapaz de reconhecer. Tudo se transforma quando ele se depara com uma jovem atriz também em busca de ascensão: a indomável Florence Lizz.
Nas mãos do diretor Halder Gomes, o filme incorpora os quadros como ferramenta para tratar de vocação e essência, os pintando como um intermédio entre as personagens e o seu interior perturbado. Embora distante de qualquer ineditismo, a zona cinzenta que se estabelece entre as figuras e o seu legado material oferece alguma margem para experimentações, por mais desconjuntada que essas sejam.
As fusões entre os pigmentos de tinta e close-ups desoladores, questionando a fabricação daquelas naturezas internas, atraem o olhar. Os paralelismos entre a ausência dos quadros e o desequilíbrio dos corpos nos ambientes em que se inserem reforçam a presença de um projeto estilístico. São ferramentas que sugerem um tratamento lírico entre personagens objetivos e o seu imaginário abstrato. É no aprofundar da mitologia desse universo que as coisas se perdem, enfraquecendo as invenções visuais graças a uma dramaturgia refém daquilo que comenta.
Podemos pensar no Johannes de Chico Díaz, por exemplo. Acusado de ser um falsário, e dividindo a vida com sua esposa, muda e paralisada, produz uma série de simulacros nos olhares que encontra e nas telas que insiste em pintar. O tripé, artista, arte e motivação apontam para uma existência simbólica, sobreposta a uma trajetória mais concreta que desperta pouco interesse.
É como se esse jogo entre os autores e as suas criações, carregado de possibilidades estéticas, não bastasse enquanto unidade do projeto. Ele acaba atropelado por uma série de contextualizações, inseridas para esclarecer objetivos críticos e clarear relações entre personagens. São decisões que verbalizam um projeto de natureza tão pictórica.
Talvez esse aspecto esteja conectado a Antoinette Lefèvre, personagem de Maria Fernanda Cândido que negocia a venda de obras de arte. Usando a lábia como principal aliada, sua persuassão converte quadros falsos em peças valiosas, navegando por esse mesmo lugar entre a farsa e o genuíno. Intersecção pontuada, mais uma vez, pelos intercâmbios entre os enquadramentos mais inventivos e as passagens de teor teatral, encontro nunca harmonizado dentro da tela. Não que essa última abordagem esteja necessariamente fadada ao fracasso, mas inexiste aqui uma segurança com relação ao estilo final do projeto.
Os diálogos expositivos minam as incógnitas da vida daquelas figuras, prejudicando a interação entre personas que, embora estejam constantemente procurando umas as outras, encontram uma certa potência justamente em seu isolamento. Não que o jogo sedutor, destinado a se complicar, entre Antoinette e Florence Lizz (a jovem atriz interpretada por Samantha Heck Müller) esteja desprovido de charme, mas a necessidade crescente pelas falas diminui o potencial deixado pelos olhares, os gestos e as sugestões pinceladas pela tinta avermelhada.
Entre pinturas abstratas, musas fantasmagóricas e impulsos carnais, “Vermelho Monet” reúne ingredientes de enorme potencial, apostando na interdisciplinariedade de artes como fio condutor. Fica claro o entrelace entre expectativas e resultados materiais, que disseca aquelas personagens e propõe as buscas entre elas enquanto jogo de simulações e peças de beleza artificial. O problema se encontra justamente no desprezo pela imagem, pela linguagem.
A pouca confiança no imagético é ainda mais abalada pela verborragia, que reforça os temas e formatos dos quais a obra acredita estar se distanciando. “Quanto vale um amor original?”, questiona Johannes, inquieto, devastado pela incapacidade de encontrar a sua essência criativa. Ao negar a forma, a produção acaba reproduzindo antigos caminhos e se esquecendo de uma máxima fundamental: mais do que as nossas paixões, o importante é como falamos sobre elas.