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“VIÚVA NEGRA” – A relevância de assumir riscos

Um dos primeiros aprendizados nas aulas de gramática, grosso modo, é que substantivo é a palavra que dá nome às coisas (subdividindo-se em próprio, para pessoas e lugares, e comum, para coisas mais gerais), ao passo que o adjetivo é o que dá características ao substantivo. Em VIÚVA NEGRA, a expressão que dá nome ao título deixa de ser um substantivo próprio (o codinome de uma personagem, Natasha) e passa a ser um adjetivo (a qualificação recebida pelas moças que passam pelo treinamento). Qual a relevância disso? Quase nenhuma, assim como a do filme quando visto como uma pequena peça dentro do imenso Universo Cinematográfico Marvel (MCU).

Entre a Guerra Civil e a Guerra Infinita, Natasha Romanoff passou por uma difícil missão sem seus amigos Vingadores, que estavam em um momento de rompimento. Porém, ela conta com a ajuda de seus familiares, que não via há mais de vinte anos, para combater um vilão que ela acreditava ter ficado no passado.

(© Disney / Divulgação)

As personagens novas não têm muito carisma. O pai de Natasha, Alexei, é somente o alívio cômico, o que significa um desperdício do talento de David Harbour. O ator se diverte no papel que se assume ridículo e é por vezes engraçado, mas deixa a desejar em relação a uma contribuição no MCU ou mesmo na trajetória de Natasha. Outro desperdício é o de Rachel Weisz, que encontra em Melina uma personagem ambígua, mas na verdade pouco ou nada relevante para além disso. Sua única função está em um plot twist esperado (não como ele ocorre, mas que vai ocorrer), o que sugere que tanto ela quanto Alexei devem ficar restritos ao filme-solo da filha.

O aspecto positivo de Harbour e Weisz ficarem ofuscados é que isso dá espaço ainda maior para Scarlett Johansson brilhar. O filme de Natasha tardou para acontecer – como se sabe, por receio da Marvel quanto à reação do público a uma protagonista feminina em filme de herói (heroína) -, mas permitiu a ela comandar as ações contra o vilão (interpretado por um fraco Ray Winstone). Não é levantada uma bandeira feminista escancarada, mas o controle das ações está nas mãos de Romanoff, o que significa um modesto avanço em um gênero escancaradamente machista. O fato de a diretora (Cate Shortland) ser mulher também contribui para o retrato badass de Natasha, distante da sexualização presente nas suas primeiras aparições no MCU. Em nenhum aspecto a Viúva Negra (a primeira e mais conhecida) deixou de ser quem é, inclusive ratificando sua superioridade perante as demais.

A outra Viúva Negra é a Yelena de Florence Pugh, jovem atriz que chamou a atenção em “Midsommar: o Mal não espera a noite” (clique aqui para ler a nossa crítica) e “Adoráveis mulheres” (clique aqui para ler a nossa crítica). Na sua estreia no MCU, Pugh não pode desenvolver seu potencial, mas é evidente que substituirá Natasha e seu futuro é promissor. Por outro lado, é de se lamentar que Pugh e Johansson dificilmente voltarão a contracenar no MCU (e, se o fizerem, provavelmente será em cenas curtas), pois a interação entre as duas é de uma organicidade bastante agradável. Para uma primeira aproximação, elas convencem muito bem como irmãs, seja em uma discussão (a cena na mesa da casa de Melina), seja nas piadas (a menção de Yelena às poses de Natasha é uma das melhores ideias do filme em seu lado cômico), ou mesmo na ternura (o afeto está, é claro, presente).

A primeira cena do reencontro entre Yelena e Natasha é fulminante, uma cena de ação que só não é melhor porque a montagem não permite. As coreografias de luta no geral são muito boas e mantêm coerência com o estilo marcante da Viúva Negra, porém o excesso de cortes reduz o impacto das cenas. Aliás, o impacto também é reduzido em razão da falta de verossimilhança, pois a violência quase não deixa marcas. Obviamente, trata-se de uma opção do estúdio para ampliar o público do longa, algo que vem sendo repetido no MCU pelas mesmas razões, porém aqui isso se torna mais prejudicial, pois o estilo de batalha da(s) Viúva(s) Negra(s) é muito mais corporal (e violento) do que, por exemplo, do Homem de Ferro ou do Gavião Arqueiro. É uma ironia que um filme fale sobre verdade enquanto suas lutas não transmitam a realidade desejável.

O roteiro de Eric Pearson, redigido a partir da história de Jac Schaeffer e Ned Benson, tem algumas falhas (a explicação dos ferormônios é risível) e reforça as desnecessárias conveniências da direção (o carro não apenas cai exatamente na entrada, mas ninguém se machuca). Não é difícil perceber, todavia, que a maioria das fraquezas da obra é apenas uma repetição do que já se viu no MCU – nada que afete a experiência do público que sabe o que vai encontrar. Entretanto, caso haja uma expectativa de maiores conexões com o universo, participações especiais e repercussões para além de uma nova Viúva Negra, a frustração é uma certeza. No máximo, há duas participações especiais (uma delas, na cena pós-créditos) e menções verbais aos heróis mais conhecidos.

Quando o assunto do filme é arrependimento, a abordagem rasa é obstáculo ao efeito dramático; quando é realidade (em especial, família verdadeira), há um senso mínimo de dramaticidade graças ao trabalho das atrizes, não à articulação narrativa. Considerando que a Viúva Negra faz parte da primeira formação dos Vingadores, o longa poderia ter sido mais ousado. Mas isso seria pedir demais a um estúdio que não assume riscos.