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“VULCÕES: A TRAGÉDIA DE KATIA E MAURICE KRAFFT” – A paixão de se investigar

O fascínio pelo desconhecido tem uma relação bastante intrínseca com a criação artística. Movidos por aspectos que não conseguimos compreender, tendemos a projetar códigos de expressão que facilitem a relação com tais esferas. É nesse sentido que surge o Cinema como uma plataforma de controle sobre o tempo, especializado na produção de imagens em movimento. São ímpetos como esse que permitiram ao casal Krafft deixar um grande legado, conforme retrata o magnético VULCÕES: A TRAGÉDIA DE KATIA E MAURICE KRAFFT.

Apaixonados pela iconografia dos vulcões, os cientistas Katia e Maurice Krafft se dedicaram a registrar esse explosivo objeto de estudo. Trajados como figuras típicas de um filme espacial, eles se aproximam de uma intensa explosão de lava vibrante, fortes o suficiente para desafiar as mais brutais leis da natureza. São arquivos como esse que a documentarista Sara Dosa resgata em sua obra, imortalizando uma paixão que fenômeno algum conseguiu incinerar.

Apesar da construção saída de imagens de arquivo, chama a atenção o teor mágico pelo qual a diretora esculpe a união de nossos investigadores. Seja pelo contraponto entre a contextualização das vidas pessoais e profissionais, sobrepondo o cotidiano ao extraordinário, ou pelo mero impressionismo da matéria plasmática em movimento, ela suspende a concretude do material em nome da abstração das paixões.

(@ Disney / Divulgação)

Sendo assim, Dosa não demora a adotar como fio condutor a associação entre o amor que unifica os Krafft e a atração que os aproxima dos vulcões, marcados por seu constante atividade de pulsão e mudança entre estados. Ela incorpora essa noção transformativa na escolha das imagens e na narração em off feita pela diretora Miranda July, abordando o calor literal dos materiais como uma alusão metafórica ao próprio casal.

Se torna interessante ponderar, dessa maneira, e especialmente alimentado pela clara articulação da trajetória escolhida pelos dois – o que desponta especialmente nos trechos que mapeam os traços mais marcantes de suas personalidades, inseridos em seu cotidiano -, sobre esse paralelo entre a concretude de um desconhecido que se apresenta na natureza física, e a incompreensão de sentimentos e conexões emancipados em nosso interior.

Apesar de seu teor até fantasioso, o documentário também jamais se desvencilha da clareza de seus registros históricos, que são imbuídos de um aproveitamento igualmente racional. As investidas dos Krafft são assim bem mapeadas e nos conferem a dimensão da importância de seus corajosos experimentos, que hoje os tornam imortais em uma pós-vida suspensa pela imagem filmagem. Ainda assim, é belo observar como a progressão da narrativa em si dialoga com a própria percepção de Katia e Maurice em relação ao que estava sendo ali realizado.

Conforme os trajes metálicos vão se tornando cada vez mais numerosos, e os seus registros começam a se permitir flertar com um caráter mais onírico da observação – passando a priorizar a retratação pelo desejo de se capturar a natureza impulsiva em si, em detrimento da análise científica mais bruta -, os próprios cientistas se transformam em diretores, narradores de fábulas sobre a incandescência colorida e poderosa que se esconde em nosso interior terreno.

Sendo assim, “Vulcões: a tragédia de Katia e Maurice Krafft” traz um interessante documentário de intersecção entre o real e o fantasioso, e que se escora na habilidade de Sara Dosa de, para além de seu papel mais didático e informativo, subverter a própria morte – da qual inclusive parte, praticamente, saindo da véspera do dia do falecimento dos Krafft apenas para saltar para o ínicio do amor entre os dois – e declarar a infinitude dos mistérios que nos unem e nos fascinam a investigar a vida.