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WASP NETWORK – Desastre homérico [43 MICSP]

Depois das críticas negativas no Festival de Veneza, WASP NETWORK passou por uma reformulação na montagem, ganhando alguns poucos minutos. Mal sinal. Pior: não adiantou nada. O filme é um desastre homérico.

O filme se passa na década de 1990, período em que o governo cubano infiltrou espiões em movimentos, compostos por cubanos que fugiram de seu país e foram para os EUA, que tentavam derrubar o castrismo. Em uma trama dividida basicamente em três núcleos, o longa acompanha os dois lados da história a partir do ponto de vista de alguns dos envolvidos.

Cartaz de “Wasp Network

Baseado na obra original de Fernando Morais, o roteiro de Olivier Assayas é pavoroso. Traduzir a literatura em linguagem cinematográfica não é muito fácil, mas o trabalho feito é absurdamente confuso e – o que é pior – ideologicamente raso. Fingindo imparcialidade, o script se filia à visão maniqueísta da História, segundo a qual os EUA representam o bem, e Cuba, o mal. O erro não é essa visão de mundo, mas disfarçá-la (vale dizer, não há problema em partir de premissas ideológicas, o problema é não assumir que o faz). Em determinado momento, aparece uma entrevista real de Fidel Castro, na qual ele afirma, cinicamente, que não faz sentido os EUA, país com mais espiões no mundo, acusar Cuba, o país mais espiado do mundo, de espionagem. Se o filme mostra espiões cubanos, a fala de Fidel é desmentida. Logo, não há neutralidade na abordagem.

O regime totalitário castrista é o que inicialmente motiva o piloto René Gonzalez, personagem de Édgar Ramírez, a fugir de Havana. Gonzalez abandona a sua esposa, Olga, interpretada por Penélope Cruz, tornando-se um famoso traidor da sua pátria. Tudo é tão mal explicado que parece que ele, egoisticamente, largou a esposa e a filha para ter uma vida melhor – na verdade, não é bem assim. Diante da filha, Olga diz que, na verdade, o pai é um patriota, pois saiu do país para melhorar sua economia. Com o cunhado, ela afirma que não terá pena se ele morrer. Esses dois primeiros núcleos (Gonzalez, nos EUA, e Olga, em Cuba) formam uma subtrama potencialmente interessante (por retratar o lado humano dos envolvidos, para além da política), mas muito mal trabalhada por um roteiro inflado e narrativamente ruim.

O terceiro núcleo é o de Juan Pablo Roque, vivido por Wagner Moura. O ator está bem diferente da maioria dos seus papéis precedentes, notadamente pela forma física (está bem magro) e pela personalidade (mais serena que a de outras personagens). Falando russo, o ator tem uma cena muito boa, em que, pela primeira vez, aparece ameaçador perante a sua esposa, interpretada por Ana de Armas. Porém, é muito difícil dar credibilidade às duas personagens (ele, pela agressividade contida não vista antes; ela, pelo temor sentido), considerando que eles estão felizes como casal com apenas uma cena de intervalo.

Fica claro que a montagem de Simon Jacquet é completamente equivocada. Salvo por uma burocrática sequência de montagem paralela (das cartas entre Olga e René), a confusão gerada no longa é manifesta. Há um festival de fades desnecessários e cortes que retiram a fluidez da narrativa – esta, por sua vez, não tem nenhuma organicidade, mas se torna ainda pior em razão da montagem. Quando entra a personagem de Gael García Bernal, a bagunça se completa, com vaivéns cronológicos e geográficos que aumentam ainda mais o Frankenstein criado.

A falta de unidade na linguagem cinematográfica passa a impressão de que Assayas gravou filmes diferentes. Há um primeiro, que apresenta algumas das personagens; um segundo, consistente em parênteses abertos bem no meio da película (envolvendo a personagem de Bernal); um terceiro, quando tudo parece se encaminhar para um fim; um quarto, quando surgem atos desconexos das personagens principais; um quinto, envolvendo narração voice over e imagens reais para tentar explicar os fatos; e um sexto, no desfecho.

É bizarro perceber que um cineasta experiente e respeitado tenha feito uma colcha de retalhos tão descartável. O gabaritado elenco faz o que pode para enriquecer as personagens, mas nada os ajuda na desordem que impera no longa. Existe ali um material do qual poderia sair uma película boa (a trama, em tese, não seria ruim), mas certamente não é esse o caso de “Wasp network”. São duas horas sofridas, que deixam a plateia desnorteada diante de um emaranhado desagradavelmente caótico.

A estrela que o filme merece se deve unicamente ao elenco.

* Filme assistido na cobertura da 43ª edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.