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“ZONA DE COMBATE” – Ambicioso em demasia

Como seria uma fusão entre “2001: uma odisseia no espaço” e “Apocalypse now”? ZONA DE COMBATE mira no produto dos dois clássicos. Evidentemente, não chega a ter uma fração da qualidade de um deles. Repetindo discursos já reciclados, no máximo extrai-se dele um esboço de reflexão sobre o que se pode definir como “danos colaterais”.

No ano de 2036, uma guerra civil no leste europeu está na iminência de se tornar uma guerra nuclear. Quando Harp, um piloto de drone sem experiência em campo, é enviado para atuar em solo hostil, seu novo capitão, Leo, um ciborgue com habilidades sobre-humanas, parece ser o ideal para guiá-lo – o que não significa que a missão será fácil.

(© Netflix / Divulgação)

Ao lado de Damson Idris, Anthony Mackie parece um Laurence Olivier. Ou seja, Mackie não está extraordinariamente bem no filme, mas Idris é limitadíssimo. Mesmo considerando que a proposta para o tenente Harp seja a de um militar frio, diversamente de Leo, que é humano demais para uma máquina, o desempenho de Idris é muito fraco. Pode parecer um contrassenso fazer um ciborgue mais humano do que o humano que trabalha com ele, mas é claro que é esse o propósito do roteiro.

Rowan Athale e Rob Yescombe querem demonstrar que Leo é demasiado humano, utilizando de desnecessária verborragia de maneira informal. Para um capitão que se apresenta como rígido, causa estranheza a rapidez com que tenta fazer amizade com o subordinado (na prática, isso acaba não tendo propósito algum). Ignorando a dose colossal de suspensão da descrença, é pouco verossímil que o ciborgue seja sofisticado a tal nível que apresente emoções, mas não tenha a habilidade de falar russo (mesmo trabalhando na região). Nos dois primeiros atos, Leo é bem mais interessante e carismático que Harp.

Um dos poucos acertos da direção de Mikael Håfström está na contraposição dos ambientes de trabalho de Harp: antes da nova designação, ele opera distante da adrenalina (isto é, separado por uma tela e com um joystick nas mãos ao invés de armas), de dia, em um quente deserto e dentro de um coitainer; depois, é recebido aos gritos, à noite, na chuva. O problema é que Harp é uma contradição em si mesmo: a perplexidade diante de uma morte cruel não convence para alguém distante como ele (parcela da responsabilidade é do ator, diga-se de passagem); em outra sequência, a coragem encontrada para salvar pessoas (e o raciocínio rápido no tiroteio) não combina com o peso morto que ele era até então.

Esse é também outro defeito do longa, que gasta muito tempo para mostrar que Leo é qualificadíssimo para a missão – é claro, ele é uma arma humanoide! -, ao passo que Harp o atrapalha durante muito tempo (na primeira troca de tiros, precisa ser salvo; no banco, entrega sua infiltração). O filme não consegue trabalhar suas personagens, basta ver a participação pífia de Emily Beecham, que tem em Sofiya um papel que flerta (mas apenas flerta) com uma relevância fracionária dentro do plot.

Aliás, a narrativa também não se desenvolve bem, inclusive porque coloca o espectador ao lado de Harp, ou seja, sem saber exatamente o que está acontecendo, nem o real escopo da missão. Nesse caso, tem-se uma contradição no perfil da obra, pois existe uma preocupação com o didatismo – paradoxo que só não é pior que a apresentação de Leo, com um anacronismo inútil e uma artificialidade patente. Nesse caso, há coerência, pois o CGI também é pavorosamente artificial, assemelhando-se ao de um jogo.

Ao contrário do que pode parecer, “Zona de combate” não é um desastre completo. Existem erros de concepção (duas propostas ambiciosas demais para uma produção incapaz de desenvolver sequer uma delas) e equívocos técnicos (como na montagem, com um excesso de cortes nas cenas de ação que seriam do agrado apenas de Michael Bay), mas há dois debates que podem ser uma reflexão embrionária – sem contar cenas esparsas de ação, como quando Leo enfrenta robôs (o que é muito mais interessante do que assistir a ele derrotando diversos humanos de uma só vez).A primeira reflexão repousa no conceito de humanidade, notadamente se ela precisa ser associada às emoções. Dito de outro modo, o filme pensa em questionar (pois não se pode afirmar que aquilo é de fato uma discussão) se a falta de emoção significa falta de humanidade (e vice-versa). A segunda, ainda mais clichê – mas nem por isso inoportuna -, é sobre o valor da vida humana, ou melhor, se um número grande de vidas é mais valioso que um número menor. No encerramento do longa, sua ideia governante, assentada na segunda reflexão, quase capta o espectador. Com menores ambições, o resultado poderia ser satisfatório.