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“ZONA DE RISCO” – Mais que um filme de ação

À primeira vista, ZONA DE RISCO é outro filme de ação descerebrado e preocupado somente em exaltar o heroísmo dos militares estadunidenses a partir de uma visão maniqueísta de mundo e sem profundidade reflexiva. Essas características estão presentes na produção, que, todavia, poderia ser ainda pior.

O jovem sargento Kinney está em uma de suas primeiras missões nas Filipinas, acompanhado à distância por um piloto de drone, o capitão Reaper, e de perto por três colegas que não confiam nele em razão da sua inexperiência. Quando o plano inicial dá errado, a missão se torna uma operação de salvamento dos soldados.

(© Imagem Filmes / Divulgação)

Não é possível dissociar o longa de William Eubank da racionalidade que há por trás dele, elaborada no texto escrito pelo cineasta e por David Frigerio. Existem ideais muito claros de heroísmo do exército estadunidense e de glorificação dos métodos militares. Com isso, a base do texto é a do “exército de um homem só”, não em sentido literal, mas ao escolher Kinney e Reaper como os maiores responsáveis pelos maiores êxitos em termos de salvamento. Enquanto o primeiro é quem se dispõe a enfrentar inúmeros inimigos em evidente desvantagem numérica, o segundo está disposto a punições de seus superiores para garantir o êxito da empreitada. Assim como a publicidade gritante de uma marca de energético dentro do filme, o próprio filme brada, a quem quiser ouvir, que o Exército estadunidense é composto dos mais valentes soldados.

Esse pensamento que embasa a obra é coerente com uma ideologia conservadora que se apega a preconceitos, sem assumi-los ao público. Existe uma fala em que o imperialismo dos EUA é equiparado ao russo na ótica de um integrante de um grupo fundamentalista islâmico, o que sugere uma esquiva ao maniqueísmo. Entretanto, não apenas a fala é breve e isolada, mas os estereótipos são assumidos como verdade, como o criminoso internacional ex-KGB e o terrorista islâmico. A questão não é a existência ou não de tais figuras, mas a dependência delas para criar uma trama, o que se torna ainda mais questionável diante de uma trama elaborada sem requinte (a missão inicial, por exemplo, é mero pretexto para o enfrentamento das intempéries resultantes do seu insucesso, não sendo explicada em detalhes). Além disso, discretamente, o longa deixa escapar seu olhar machista da realidade: a esposa de Reaper é tão irrelevante que não aparece, mas justifica as suas atitudes, sobretudo um atrito com colegas (elemento da trama que sequer precisava existir); o piloto tem uma colega de trabalho, mas ela é absolutamente descartável na trama.

É importante ressaltar que não se trata de uma análise meramente ideológica do filme, o que, na verdade, não seria desimportante. Graças à sua base conservadora, o roteiro tem um discurso raso transposto, por exemplo, nos diálogos, que são ora pavorosos (“a carruagem está prestes a virar abóbora”), ora inoportunos (o grupo fala sobre banalidades em território hostil), ora desinteressantes (quando Reaper tenta acalmar Kinney, seria muito mais cativante se o tema da conversa fosse apenas algo que agregasse à trama). Também chama a atenção a superficialidade com que assuntos são abordados, como o debate do uso da tecnologia no âmbito bélico. Outro exemplo de como essa racionalidade tem reflexos perceptíveis está na completa ineficácia em abordar o lado humano das personagens (seus dramas, quando existentes, são ocos, como se suas vidas pessoais quase não existissem) e, principalmente, nos clichês dos filmes de ação.

Apesar dessas grandes ressalvas, Eubank realiza cenas decentes de ação. A visibilidade poderia ser melhor em alguns momentos, mas o vermelho das explosões é um bom destaque na fotografia. As coreografias de lutas corpo a corpo são razoáveis, mas seriam melhor exploradas com melhores enquadramentos e menos cortes. Como mencionado, os clichês se fazem presentes, como o slow motion destacando fragmentos de terra e fumaça no ar e o caos gráfico de um embate. Há doses cavalares de testosterona, coerentes com as longas cenas de torture porn. Assim como as cenas de militares descamisados (principalmente Liam Hemsworth), as de violência exagerada são gratuitas, mas certamente encontram seu público. Se no começo a tensão não existe, quanto mais a produção se assume como brutalidade obscena aliada a um festival piromaníaco, mais ela é eficiente ao criar uma atmosfera de suspense. A quilometragem e a minutagem funcionam como contagem regressiva; a alternância no ritmo equilibra as sensações estimuladas. Com mais elaboração no script, Russell Crowe faria de Reaper uma personagem menos insípida – diferentemente do capitão, é fácil torcer pelo sucesso do sargento. Este é um exemplo da conclusão geral: com um pouco mais de conteúdo, “Zona de risco” seria mais que um filme de ação minimamente satisfatório, talvez chegasse ao nível de bom filme.

Em tempo: a cena em que um dos colegas de Kinney mostra suas tatuagens, além de previsível a partir das artes do filme, é uma demonstração nítida de como a racionalidade prejudica o resultado. A cena não poderia ser mais patética.