“FIM DO MUNDO” – A não recomendação de filme infantojuvenil
FIM DO MUNDO é uma aventura voltada para o público infantojuvenil produzida pela Netflix com objetivos simples e genuínos: oferecer uma história dinâmica, divertida e de estilo cool somando humor e ação. Porém, direcionar o filme a esse nicho específico não lhe dá o direito de desprezar a inteligência de seus espectadores com um roteiro genérico e clichê, uma técnica sofrível e uma direção que apenas acentua ainda mais seus inúmeros defeitos.
O ponto de partida é a chegada de três crianças a um acampamento por diferentes razões: Alex é levado pela mãe para afastá-lo dos computadores e jogos eletrônicos que preenchem sua vida, Dariush é conduzido pelos ricos pais dentro de alguma necessidade desconhecida pelo público e ZhenZhen chega até lá sozinha em busca de algo que vê em um folheto que carrega consigo. Quando eles conhecem o jovem Gabriel, uma invasão alienígena se abate sobre o planeta e os quatro precisarão unir forças para salvar a humanidade.
A chegada ao acampamento revela a incapacidade de o filme ser algo, acima de tudo, crível e aceitável. O trio de personagens principais são meras caricaturas associadas a características simplistas, sendo Alex um garoto infantilizado excessivamente pela mãe e portador de todo tipo de medo em relação a atividades que causem algum risco, Dariush um garoto convencido que acredita que o dinheiro da família já o ensinou tudo da vida e ZhenZhen uma garota chinesa estranha que mantém constantemente um semblante ameaçador. O ambiente onde estão nunca parece ser real, escondido pelo diretor McG que não faz sequer um plano geral para mostrar o acampamento e o que pode ser feito ali à exceção de uma escalada exibida rapidamente, bem como desvirtuado por funcionário irreais que só sabem fazer “piadas” de estereótipos raciais e sociais. Além disso, o cineasta ainda utiliza por alguns momentos, sem sentido narrativo, planos-sequência ou movimentos fluidos e sem cortes da câmera para filmar os breves instantes naquele cenário.
O incidente que leva ao segundo ato, ao invés de dar uma guinada na produção, causa outros prejuízos igualmente graves. Após o ataque alienígena, é preciso apresentar os efeitos visuais das criaturas, algo que se revela absolutamente risível, dado o seu nível de amadorismo digno dos piores programas B de sci-fi – a aparência dos seres não é palpável, sendo uma ilustração digital inserida posteriormente nas filmagens que não possui qualquer criatividade na composição gráfica. Esse bloco ainda contém uma fotografia que, inexplicavelmente, traz um filtro sépia nas cenas diurnas (parece que o Sol ficou mais forte durante a destruição causada pelos alienígenas) e roxo nas cenas noturnas (apenas à noite a simbologia da cor associada à morte se aplica?). A iluminação, além de descolada de finalidades narrativas, também se torna esteticamente desagradável.
Enquanto a história se desenvolve, seus elementos genéricos e clichês ganham maior força. As quatro crianças simplesmente precisam levar um MacGuffin para uma área distante e entregá-lo a um cientista que saberá utilizá-lo; o estilo de filmagem anterior de McG é abandonado abruptamente em favor da câmera na mão e dos cortes rápidos nas sequências de ação, demonstrando ainda mais os péssimos efeitos visuais; as múltiplas incongruências e conveniências do roteiro abusam de deus ex machina para salvar os personagens (a cena em que uma garrafa de vinho é atirada a esmo e acaba retirando os personagens de um dilema é patética) ou criar dificuldades artificiais (Dariush desmaiar no terceiro ato justamente quando teria uma função decisiva); e a narrativa não convence quanto à urgência e aos riscos da missão porque a “grande” invasão apresenta apenas uma nave inimiga e três alienígenas, sendo combatida por pouquíssimas outras naves filmadas à distância como se fossem um jogo de videogame dos anos 1980.
A progressão do enredo ainda serve para reproduzir clichês batidos para a construção dos personagens: o menino nerd que conhece ciência e cultura pop, a órfã “estranha” e outsider que aparenta ser muito carrancuda, o delinquente de bom coração que não é compreendido por ninguém e o menino negro que se torna o alívio cômico. Tudo em torno deles compromete suas evoluções, como as frases prontas e moralizadoras ditas ininterruptamente, as diversas referências gratuitas ao mundo do cinema (diálogos e sequências que citam “O regresso“, “Pantera negra“, “Uma noite de crime“, “Gladiador“, “It: a coisa“, “Star Wars“, “Jurassick Park” e o diretor Werner Herzog sem qualquer coesão) e momentos previsíveis em que os meninos enfrentam seus medos e limitações para triunfar (com direito a onipresente trilha instrumental de superação das adversidades).
Em retrospecto, o filme fornece somente piadas de mal gosto, situações nem um pouco críveis, uma história de invasão alienígena sem identidade própria e mal concebida visualmente. Nem os personagens possuem alguma qualidade faria suportar a duração dessa produção, já que lhes falta carisma e capacidade de convencer que se construíram uma amizade. Diante de tantos erros e problemas amadores, o fim desse mundo cinematográfico nem seria uma perda tão grande porque a sensação é que foi a sétima arte a invadida por um ser deformado e problemático como “Fim do mundo“.
Um resultado de todos os filmes que já viu.