MOXIE: QUANDO AS GAROTAS VÃO À LUTA – Feminismo em doses homeopáticas
Traduzir os feminismos para um público novo é sempre uma tarefa árdua, algo potencializado se o público alvo for adolescentes. Mais recentemente, a série da HBO “Euphoria” (2019), de Sam Levinson, conseguiu esse feito com maestria, mesmo que seu foco fosse em processos psicológicos e subjetivos mais específicos dos personagens. O que a consagrada comediante Amy Poehler, diretora de MOXIE: QUANDO AS GAROTAS VÃO À LUTA, buscou aqui foi adaptar esse debate complexo no ambiente escolar de um subúrbio americano predominantemente branco. Em outras palavras, Poehler se utilizou de todo aquele formato já velho conhecido de filmes americanos para o público adolescente para criar uma trama que pudesse transcender estereótipos como a-garota-popular-líder-de-torcida e o capitão-do-time-de-futebol-americano, tocando na ferida dos assédios, do machismo e do patriarcado. Missão nobre, dado o fato do seu lançamento ser perto do Dia Internacional das Mulheres, 8 de março, mas que em termos dramáticos ficou devendo um pouco.
“Moxie: Quando as Garotas Vão à Luta”, baseado no romance de Jennifer Mathieu publicado em 2015, tem como protagonista a jovem Vivian, uma adolescente introspectiva que só tem uma amiga, Cláudia, de ascendência chinesa. A chegada de uma aluna nova, a afrolatina Lucy Hernandez, acaba chamando a atenção de Vivian pelas questões abordadas pela moça, como machismo, raça e classe. Cansada de sua própria irrelevância, Vivian recupera o acervo punk feminista de sua mãe Lisa (interpretada pela própria Poehler) e cria um fanzine chamada Moxie, convocando as outras meninas a lutarem contra o ambiente de masculinidade tóxica, apoiada por uma estrutura que mantém os privilégios masculinos e oprime as garotas. Com o sucesso do fanzine, vem consequências que a tímida e pouco corajosa Vivian terá que lidar.
O filme todo se configura em uma tentativa de transformar o feminismo em algo fofo para uma determinada faixa etária, sem se afastar de um entretenimento mais suave e até mesmo tranquilo. Há um esforço em tocar em várias questões pungentes que vão desde pautas identitárias até o racismo, a objetificação do corpo feminino, a cultura do estupro, as pressões institucionais para a manutenção de privilégios masculinos, entre outros. Mas essa tentativa de “abraçar as pautas atuais” se embaraça na trama, que opta por uma abordagem quase superficial de cada. Muito disso se deve a construção da personagem principal, Vivian. Sua curva dramática entre a total auto anulação e a liderança de uma rebelião escolar contra o patriarcado é difícil de sustentar, mesmo esse tipo de arco surpreendente ser até comum nesse nicho de filmes. Seus dramas pessoais de recém descoberta feminista branca acabam eclipsando outras vozes mais ardorosas, como a de Lucy, que representa as novas alas do feminismo negro que já chega com dois pés na porta e não se furta em tocar nas feridas.
Não há grandes problematizações na película e Poehler deixa bem claro sua intenção em não fazê-lo. Sua direção é burocrática e formalista, por vezes se permitindo abusar de lugares tão comuns que prejudicam um pouco o ritmo da trama de quase 2 horas de duração. Além desses problemas, a falta de carisma de Hadley Robinson, atriz que interpreta Vivian, dificulta um pouco o processo de empatia do público. Por esse e outros motivos, é difícil colocar o filme na mesma seara de outras obras mais comprometidas como “O ódio que você semeia” (2018), de George Tillman, Jr., e até mesmo “Euphoria”. Há nessas obras um abalo na cisão das personagens que as levam a lugares que jamais serão retomados. Como a rebelião orquestrada por Vivian acaba sendo bem sucedida, muitas perguntas não são respondidas nesse exercício.
Talvez o medo em tornar o típico filme de adolescente que todos nós sempre amamos em algo “muito pesado” tenha movido as ações de Poehler. Como diretora, ela acabou demonstrando a mesma “falta de coragem” de sua personagem principal. Mas esses certames não transformam a obra em algo bobo e doce, perfeito para pré-adolescentes e adultos saudosos como “Para todos os garotos que já amei” (2018), de Susan Johnson. Há em “Moxie: Quando as Garotas Vão à Luta” um frescor que vem de alguns personagens e situações nem um pouco apelativas. Se determinadas convenções desse subgênero não incomodar pela sua potência limitadora, a obra de Poehler se destaca como um interessante entretenimento, com certo brilho militante e uma trilha sonora de punk feminino docemente suja.
Doutora em zumbis. Péssima em escrever bios.