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“GHOSTBUSTERS: APOCALIPSE DE GELO” – R. I. P.

É dificil apontar qual é o pior atributo de GHOSTBUSTERS: APOCALIPSE DE GELO. Do excesso de personagens ao seu mau aproveitamento; do humor pedestre às inverossimilhanças. O universo de “Os caça-fantasmas” nunca foi tão vilipendiado.

Gary, Callie, Trevor e Phoebe protegem Nova Iorque contra os fantasmas, assumindo o posto de caça-fantasmas. A situação muda quando a mais jovem precisa ser afastada da equipe e uma nova ameaça exige a união de novos e antigos integrantes.

(© Sony / Divulgação)

Gary (Paul Rudd), Callie (Carrie Coon), Trevor (Finn Wolfhard), Phoebe (Mckenna Grace) são os principais caça-fantasmas, da formação de “Caça-fantasmas: mais além” (em 2021, o nome do grupo era traduzido no título da produção, a escolha agora mudou). A eles se somam Lucky (Celeste O’Connor), Podcast (Logan Kim) e Lars (James Acaster), enquanto secundários. Ocorre que os membros antigos também continuam atuando, sobretudo Ray (Dan Aykroyd) e Winston (Ernie Hudson). Como se não bastasse, extraordinariamente, Peter (Bill Murray) e Janine (Annie Potts) também retornam, além do surgimento de dois colaboradores episódicos, Nadeem (Kumail Nanjiani) e dr. Hubert (Patton Oswalt).

Ainda que nem todos esses nomes sejam desenvolvidos enquanto personagens, sua presença polui a narrativa com pessoas que, se tiradas dela, não fariam diferença. Janine e Peter são Easter Eggs obscena e absolutamente gratuitos. Winston tem função meramente instrumental para preencher possíveis lacunas. Ray participa mais, espelhando parte do arco de Phoebe (um esboço de arco, na verdade), mas com um subdesenvolvimento gritante. Das personagens novas, Lucky, Podcast e Lars são irrelevantes, assim como, surpreendentemente, Trevor (a surpresa decorre do fato de se tratar de um ator famoso, com fanbase própria e cuja personagem foi importante no filme anterior). Talvez a intenção fosse usar Trevor para confirmar o quão ruim Callie é enquanto mãe, já que ela o desdenha quando ele pede ajuda e nunca está a par das atividades da filha (apenas uma das inverossimilhanças). Gary consolida uma tentativa de discurso familiar, o que é evidentemente falho quando um dos filhos é desimportante e a mãe, irresponsável. Outra inverossimilhança, inclusive, ocorre quando o prefeito desconsidera o papel de Gary e Callie em relação a Phoebe, como se apenas o pai (não a mãe, não o padrasto) fosse capaz de se responsabilizar pela adolescente.

Nadeem é uma personagem que merece uma atenção especial, pois o agente do ator deve ter conseguido um papel forçado, quando o roteiro de Gil Kenan e Jason Reitman já estava terminado (se é que foi escrito, a hipótese de um improviso contínuo não é irreal). Trata-se não apenas de alguém que poderia ser recortado sem prejuízo, mas que causa, ele mesmo, um prejuízo. Não apenas Nadeem ratifica a sensação de que o filme é uma colcha de retalhos muito mal feita, mas seu humor de extremos é incompatível com o resto da película. A ideia dos filmes desse universo é de uma comédia familiar, com muita ação e pitadas de terror infantil – o que é majoritariamente mantido -, porém Nadeem leva o filme ora ao extremo da infantilidade (sendo, então, completamente sem graça, como quando desce o tubo trajado de dourado), ora ao extremo “18+” (no quarto da avó). A culpa não é do ator (embora sua atuação caricata seja ruim), mas de quem teve a brilhante ideia dessa personagem terrível.

Salva-se apenas Melody, tanto pela boa atuação de Emily Alyn Lind quanto pelo subtexto de homoafetividade que é benéfico à produção. Mesmo aqui, uma ressalva merece ser feita quanto à sutileza radical desse subtexto, que certamente levará parcela do público à negação da sua existência. Única personagem coerente de fato (difícil crer, por exemplo, que alguém tão inteligente quanto Phoebe pudesse ser tão precipitada), Melody deveria ter tido mais espaço ao invés de diversos outros – a começar pelo vilão, que não poderia ser mais genérico. Garraka é cópia desavergonhada de dezenas de outros antagonistas da fantasia, levado a doses cavalares de generalidade: sua mitologia, seus objetivos, seus efeitos sonoros (ruídos e voz rouca) e seu visual (olhos brilhantes, aparência demoníaca, corpo longilíneo etc.), tudo conduz ao que já foi feito antes, e muito melhor. O vilão não assusta e representa uma ameaça muito menos urgente que a sobrecarga do aparelho do sótão (se fosse essa a base, a narrativa seria bem melhor).

Mal feito com recortes e colagens, o filme não tem nenhum momento de autenticidade e empolgação, soando sempre como o elastecimento artificial de uma franquia enferrujada. Restou recorrer ao Geleia, ao Homem de Marshmallow e, claro, a Bill Murray. Não quiseram deixar o universo Ghostbusters descansar em paz.