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“IMACULADA” (2024) – Pensar mais, desenvolver mais, espetacularizar menos

Há um equívoco quanto às ideias e concepções de IMACULADA, de 2024 (não confundir com o filme homônimo de 2021, dirigido por George Chiper e Monica Stan, com outra temática). Suas ideias, apesar de boas, não são sólidas o suficiente, soando vagas e esparsas. Além disso, o filme é concebido em um gênero ao qual não deveria pertencer e com um viés bastante problemático. Com isso, suas virtudes não o sustentam.

Cecilia é uma jovem prestes a prestar seus votos como freira em um convento em uma bucólica região italiana. Pouco tempo depois, ela engravida milagrosamente, uma vez que ainda é virgem. A surpresa dá lugar a um tormento que em nada se aproxima da vida à qual ela se sentia vocacionada.

(© Diamond Films / Divulgação)

O filme de Michael Mohan parece ter a intenção de apontar o que considera ruim na Igreja Católica. Há uma crítica ao isolamento da Igreja em relação à sociedade, o que é expressado de maneira literal tanto imageticamente (pela área em que o convento se localiza) quanto na sua função narrativa, pois se torna um local de onde é difícil sair (o que é exposto nos minutos iniciais). O longa denuncia a alienação dos católicos, novamente pela via imagética (ao aparecer um rebanho, por exemplo) e narrativamente (quase todos agem com naturalidade naquele contexto estranho). Ele denuncia também o raciocínio mercantilista da Igreja, na medida em que a protagonista, se obteve um milagre em seu passado, precisa dar algo em troca. Discretamente, é apontada a estrutura machista e engessada da instituição, pois o privilégio que o Cardeal tem de fumar na frente de todos não é compartilhado com as freiras (uma delas se esconde para fazê-lo).

Entretanto, todas essas críticas são elaboradas de maneira exageradamente sutil, como se o seu autor não tivesse plena convicção a seu respeito. Assim, a fé não é questionada – não a fé em uma divindade, mas na confiabilidade da instituição que a Igreja representa – e mesmo as esquisitices do convento não são adequadamente problematizadas. Aqui, há também uma falha no roteiro de Andrew Lobel, que conta com diálogos sofríveis como “a morte faz parte do cotidiano aqui” – é inexplicável como uma fala tão dura quanto essa aparece solta, não é desenvolvida e é simplesmente esquecida -, ou então simplesmente risíveis (como um “não foi um elogio” após chamar a interlocutora de gentil e ouvir dela um agradecimento). De todo modo, falta consistência à censura feita à Igreja, porquanto os pensamentos são subdesenvolvidos, como a associação entre sofrimento e amor, pregada pelos católicos, e o ceticismo do cardeal (“por que Ele não nos detém?”).

Ironicamente, se o filme não é contundente nesses aspectos, ele é muito evidente quanto à sexualização machista das freiras, em especial a protagonista. É o que se extrai da cena do banho coletivo (em que aparecem com suas roupas molhadas e coladas e em posição e atos sugestivos), dentre outras. A hipótese de sugerir homoafetividade é afastada quando se consideram os outros momentos com mesmo teor: a camisola mostrando os mamilos (apenas da jovem freira, evidentemente), Cecilia de lingerie ou mesmo seminua escondendo o corpo apenas com as mãos e uma cena a la “banheira do Gugu”. Em geral, são instantes sem propósito diegético que justifique a abordagem (a da banheira poderia ser em qualquer outro local), mas que denotam o olhar sexualizado. Isso inclusive faz sentido ao considerar que Cecilia é interpretada por Sydney Sweeney, uma atriz que se adéqua (muito) ao padrão de beleza de Hollywood, mas deixa (muito) a desejar enquanto tal. Em “Imaculada”, porém, ela tem o seu melhor trabalho, se dedicando de corpo e alma – aos gritos, quando necessário – para tentar convencer o público de sua qualidade.

Além do viés problemático mencionado, a produção foi equivocadamente concebida como terror. A crítica à Igreja seria mais categórica se o gênero do longa fosse o drama ou mesmo o suspense, pois não há absolutamente nada que ampare a escolha pelo terror. Além de não conseguir criar uma atmosfera assustadora, o diretor é refém de jump scares baratos (o choro da freira, o corvo no vidro etc.); os mistérios não têm uma explicação que faça sentido dentro do universo diegético. Talvez exigir isso seja demais para um filme cujo final seja tão inverossímil quanto “Imaculada”, que, mais uma vez, está mais próximo da comédia do que do terror. Esses defeitos acabam sendo lamentáveis porque, ao contrário do que pode parecer, existem virtudes no longa, como a cena do clímax final (em que o potencial gráfico e sonoro do cenário é bem explorado) e a cena do carro, além das mencionadas boas ideias (afinal, as críticas não são delírios). Se Michael Mohan se preocupasse menos na sexualização e nos jump scares (uma espetacularização pedestre do audiovisual), e mais em desenvolver sua compreensão sobre o tema abordado, talvez sua obra fosse mais que medíocre.

Em tempo: “A primeira profecia”, também de 2024, tem premissa bastante similar a “Imaculada”, tornando difícil não estabelecer um paralelo. A bem da verdade, ambos apresentam diversos clichês do terror, porém aquele filme é imensamente superior a este.