“THUNDERBOLTS*” – Ilusionismo
O fato de THUNDERBOLTS* ter em sua equipe nomes que participaram em produções da A24 não necessariamente significa que o filme tem a qualidade de uma obra de A24. A rigor, nem mesmo a estética necessariamente precisa ser a mesma, já que se trata, antes de tudo, de um filme do Universo Cinematográfico Marvel (UCM), o que, a julgar pelo histórico, estabelece balizas consideravelmente firmes aos realizadores.
Executando um serviço por ordens de Valentina Allegra de Fontaine, a Viúva Negra Yelena Belova, o Agente Americano, John Walker, e a Fantasma, Ava Starr, acabam presos em uma armadilha mortal. No local, encontram ainda Bob, um jovem misterioso. Este é apenas o início da formação de um grupo pouco coeso de anti-heróis que contará ainda com Bucky Barnes, o Soldado Invernal, e Alexei Shostakov, o Guardião Vermelho.

De maneira geral, “Thunderbolts*” é mais do mesmo. O filme possui as marcas mais cansativas das produções do MCU, em especial o humor infantil (até mesmo o título do filme é uma piada sem muita inteligência ou criatividade) e desnecessariamente constante (por exemplo, a insistência de que o grupo é de desajustados, piada repetida inúmeras vezes, ou o desconforto de Yelena com o jeito explosivo do pai), bem como os Easter Eggs gratuitos (como as algemas da invasão Chitauri). No primeiro caso, há um problema de tom, uma vez que uma modificação da trama faz com que o humor perca coerência no todo (gerando um descompasso); no segundo, há que se reconhecer que as referências são menores do que costumam.
Nos dois primeiros atos, prevalece a ação – e é preciso dizer que as cenas de luta, em geral, são boas – com os mencionados momentos de comédia. Salvo em dois brevíssimos flashbacks (um envolvendo a Viúva Negra e outro envolvendo o Agente Americano), eles são pouco hábeis para construir tanto um fundo de dramaticidade para cada personagem e quanto a formação de um grupo empolgante enquanto tal. Nessa parte, o que gera interesse é Bob, uma personagem enigmática e imprevisível que deixa todos apreensivos. Enquanto que a maioria das personagens é interpretada por nomes consolidados na indústria, como Julia Louis-Dreyfus (de Fontaine), Florence Pugh (Belova), Sebastian Stan (Barnes), David Harbour (Shostakov) e Wyatt Russell (Walker), para o papel de Bob foi escalado Lewis Pullman, um ator muito menos conhecido e com currículo menos extenso. Todos fazem bons trabalhos, incluindo Pullman, que consegue elaborar duas versões de Bob bem distintas.
É no terceiro ato – o melhor – que surgem essas duas versões, quando o filme cresce bastante e adentra em um lado mais sombrio e profundo. Bob é ingênuo e inseguro, ao passo que seu alter-ego é o epítome da grandeza que domina alguém psicologicamente frágil. A ideia não é inovadora, mas funciona. O ato final é o melhor justamente porque é o único que efetivamente adentra na psique das personagens, notadamente Bob e Yelena. Aqui, os roteiristas Eric Pearson e Joanna Calo mergulham em assuntos mais espinhosos como traumas de infância, vícios e depressão, mesmo que com compreensível superficialidade. Afinal, ainda é um filme de super-heróis, mesmo que os Thunderbolts não tenham super-poderes impressionantes e não sejam exatamente heroicos. É também no terceiro ato que o diretor Jake Schreier concede um pouco de inventividade ao longa (comparativamente aos outros do UCM) ao conceber um poder funesto a uma personagem, abrindo as portas para o onírico em uma fotografia escurecida e um design de produção mais interessante do que o viés genérico aplicado até então. Além disso, é abordado um mal-estar geral da contemporaneidade que, com maior esmero, poderia estimular reflexões.
Muitos dos responsáveis por “Thunderbolts*” trabalharam também em produções da A24, fato enaltecido no trailer do longa. No elenco, Louis-Dreyfus esteve em “Verdades dolorosas”; Pugh, em “Midsommar – o mal não espera a noite”; e Stan, em “Um homem diferente”. Um dos montadores é Harry Yoon, de “Minari – em busca da felicidade”; o diretor de fotografia é Andrew Droz Palermo, de “A lenda do cavaleiro verde”; na composição está a banda Son Lux, de “Tudo em todo o lugar ao mesmo tempo” – sem olvidar o diretor, responsável pela minissérie “Treta”. Não obstante, exceto pelo clímax, quando a estética é realmente modificada para uma atmosfera obscura, o filme não traz nada de realmente novo como quer parecer (as composições, por exemplo, são desinteressantes). Se o terceiro ato fosse a tônica geral, certamente haveria algo digno de nota, o que demonstra que faltou à Marvel coragem para fazer diferente do que fez outrora. Da maneira como apresenta o longa, o estúdio faz um ilusionismo para a plateia: para o deleite da fanbase, apresenta dois terços de ação com pitadas de comédia, um entretenimento vazio e reciclado; para o resto do público, o terço final passa a impressão de que há algo mais instigante ali quando, na verdade, é uma mera simulação de poucos minutos.
Em tempo: os créditos têm uma estética bem interessante, valendo a atenção.
Em tempo (2): há duas cenas pós-créditos.


Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.