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“BESOURO AZUL” – Um super-herói latino

É positivo que finalmente (2023) surja um super-herói latino, melhor ainda com um protagonista simpático e em uma produção conscientemente autocontida. Porém, o único fator que diferencia BESOURO AZUL dos demais filmes de origem de super-heróis é sua latinidade, o que é pouco para torná-lo marcante. Há no longa fragilidades manifestas e virtudes diminutas, recaindo, no mais das vezes, no que já foi visto antes.

Depois de concluir seus estudos, Jaime Reyes volta a Palmera City em busca de oportunidades e para ficar com a sua família. O que o jovem de origem mexicana encontra, todavia, é um escaravelho alienígena que, em progressiva simbiose com ele, o hospedeiro, lhe dá uma poderosa armadura. Com isso, Jaime passa a ser procurado por uma inescrupulosa CEO de uma empresa que deseja estudar o artefato.

(© Warner Bros. / Divulgação)

O “protagonista simpático” é interpretado pelo também “simpático” Xolo Maridueña. E isso é um elogio dúbio: é fácil sentir empatia por um jovem confundido com um entregador (mesmo de terno) em razão de sua etnia e é fácil se alegrar com um jovem que contraria as estatísticas e consegue fama, porém isso não faz de Jaime um herói complexo, tampouco de Xolo, um bom ator (até porque a personagem não lhe exige muito). Em certa medida, Jaime é desinteressante porque é um protagonista reativo, isto é, todos ao seu redor agem, em seu favor e contrariamente, enquanto ele ora assiste a tudo, ora tenta se livrar das ameaças. Sua motivação inicial – um emprego – é deixada de lado quando surge o escaravelho, momento em que a única motivação autônoma que subsiste é conquistar seu interesse romântico, Jenny, vivida por Bruna Marquezine. Jenny tem objetivos, vai atrás deles e isso compõe a trama; o mesmo não se pode dizer de Jaime. Sobreviver e salvar as pessoas que ama não é uma motivação autônoma porque é inerente a qualquer super-herói.

No elenco está também Susan Sarandon, em mais um papel de megera em que ela atua no “piloto automático”. Raoul Max Trujillo, por sua vez, é um vilão que, tal qual o herói, tem problemas de motivação (os flashbacks são demasiado tardios e insuficientemente desenvolvidos para ele ser convincente). Na família de Jaime estão Adriana Barraza, uma avó legitimamente engraçada que surpreendentemente não se reduz ao alívio cômico, Belissa Escobedo, uma irmã subaproveitada cujo sarcasmo representa um humor funcional, e George Lopez, um tio mal construído enquanto personagem. Tio Rudy é o mais infantil e histérico dos familiares de Jaime, o que se torna chato quanto mais seu perfil se repete. Repentinamente, porém, Rudy se torna o gênio da informática, e depois o gênio para qualquer outra conveniência de roteiro. Fica claro que o texto de Gareth Dunnet-Alcocer não soube lidar com certas situações e escolheu o tio como solução para todos os problemas (dentre outros elementos questionáveis).

O filme falha, então, em inverossimilhanças que não podem ser aceitas mesmo com a suspensão da descrença. Para além do tio, por exemplo, o sistema de segurança da empresa é risível. Angel Manuel Soto não consegue imprimir originalidade na direção, aproximando (e muito!) o seu longa de “Homem de Ferro” (2008). A obra é previsível e sua ideia governante, de que a força está na família, não poderia ser mais clichê. Por outro lado, Soto sabe que o Besouro Azul é um super-herói menor quando comparado aos “deuses” da DC, então elabora um filme autocontido, ou seja, sem nada mirabolante e sem sequer se preocupar em desenvolver a mitologia do escaravelho – existe apenas uma contextualização não verbal junto aos créditos.

A cultura latina está no centro da maior qualidade e da maior fragilidade de “Besouro Azul”. A latinidade está na família alegre e festeira – mas não por isso menos carinhosa, muito pelo contrário – de Jaime, nos tacos de que ele tanto sentiu falta, nas referências hilárias do audiovisual mexicano (que particularizam a obra mais que as referências a “Alien, o oitavo passageiro” e “E.T. – O extraterrestre”), na trilha musical, no idioma que não se limita ao inglês e, como não poderia faltar, no desejo sexual (a tentativa de camuflar uma ereção, a roupa de couro etc.).

Ainda do ponto de vista cultural, o filme é deveras atual, mencionando o machismo estrutural, o racismo e questões políticas – mesmo que o faça de maneira bastante rasa. Somente uma cena consegue traduzir imageticamente o que o texto é tímido em falar, que é o tratamento muitas vezes desumano dado por autoridades estadunidenses a imigrantes latinos. Não à toa, é a melhor cena do filme, que quase ofusca problemas técnicos como o flare desnecessário na fotografia e o CGI mediano (imensamente superior ao de “The Flash”). Essas questões seriam facilmente ignoradas se a obra se destacasse para além da latinidade. A conclusão é que faltou criatividade para chegar a esse além.