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“ELEMENTOS” – Nada menos que tudo

Com maior diversidade no universo diegético e menor pulverização temática, ELEMENTOS seria um filme muito melhor. De seus últimos dez filmes, cinco foram continuações/spin-offs (“Procurando Dory”, “Carros 3”, “Os incríveis 2”, “Toy Story 4” e “Lightyear”), o que denota escassez de criatividade; um entrou em um limbo de esquecimento em razão da pandemia (“Dois irmãos: uma jornada fantástica”); e os outros quatro (“Viva – a vida é uma festa”, “Soul: uma aventura com alma”, “Luca” e “Red: crescer é uma fera”) alcançaram relativo sucesso (alguns mais, outros, menos) por celebrar de alguma forma a diversidade. “Elementos” entra no último grupo, mas comete equívocos que eles não cometeram.

Diante da necessidade de sair da cidade onde moram, Faísca e sua família se mudam para a Cidade Elemento, onde há pessoas dos quatro elementos (fogo, terra, ar e água) que convivem. Ela, uma pessoa de fogo, muda todos os seus conceitos sobre as pessoas de água ao conhecer Gota.

(© Disney / Divulgação)

A criatividade da Pixar é cada vez menor: não apenas é exibido, antes de “Elementos”, um curta, “O encontro de Carl”, que é spin-off de “Up: altas aventuras” (ou seja, mais do mesmo), mas o próprio longa tem uma identidade visual muito aproximada de “Divertida Mente”, sobretudo na construção de mundo. O design de produção é também tímido no uso das cores, focando demais no âmbar (e correlatos, como amarelo, alaranjado e vermelho) de Faísca, nos tons azulados (turquesa, Tiffany, céu, egípcio e cobalto) e esverdeados (água marinha e fantasma) de Gota e no lilás de Faísca e Névoa (por que a pessoa de ar fica púrpura, e não cinzenta, quando irritada?). Não que sejam poucas cores, mas a limitação é reflexo da exposição insuficiente da Cidade Elemento e das pessoas de ar e terra (o único representante do segundo é Turrão, alívio cômico restrito a duas piadas idênticas).

Ainda do ponto de vista imagético, o diferencial é a movimentação constante das personagens, o que os torna vívidos. Além disso, quanto à dupla principal, há um esmero especial, Faísca e Gota: este tem nariz redondo, aquela, pontudo; apenas ela tem lábios bem delineados; os olhos dela são alaranjados, dele, variam entre azul e verde; ele usa sempre camisetas coloridas, mas, quando trabalhando, uma camisa polo e gravata, já ela costuma usar um vestido que parece feito de escamas. O figurino de Faísca parece corroborar a sugestão do filme de que a origem de sua família é nórdica (trato com objetos rústicos, o cálice, as tradições antigas, a mãe como uma espécie de xamã), mas isso não fica claro. É aqui que surge, porém, um dos maiores defeitos do longa: o roteiro de John Hoberg, Kat Likkel e Brenda Hsueh é incapaz de criar personagens e, ainda mais grave, cria verdadeiros estereótipos, o que sabota a ideia de diversidade.

O primeiro grande tema do longa é a imigração: a família de Faísca encontra novidades, a recepção não é calorosa e eles se empenham para construir uma vida. O problema é que todas as pessoas de fogo são igualmente irritadiças e egoístas. Por outro lado, todas as pessoas de água são “choronas”, emotivas e empáticas. Pior: apenas Faísca é uma personagem efetiva, com conflitos e desafios; todas as demais são secundárias (Névoa e Fagulha), uma implica dificuldades para a protagonista (Brasa) e outra é mero satélite sem um arco próprio (Gota). Chama a atenção que Gota, o segundo principal, não tenha arco próprio.

O título do filme é enganoso; apenas fogo e água importam. Entretanto, é inegável a engenhosidade do diretor Peter Sohn em aproveitar os poderes dos dois elementos para diversos fins: a fresta que atravessam na cena de perseguição (ação), o fogo feito por uma pessoa de água (drama), a evaporação de uma bebida (comédia). O que o auxilia é a trilha musical sempre ótima de Thomas Newman, que concede ao filme uma identidade musical versátil o suficiente para dialogar com os variados momentos (destaque para: “Across the ocean”, na introdução; “Bubble date” no romance; “Vivisteria” na aventura) e é coerente com a música cantada por Lauv, “Steal the show”.

Nada disso adianta, contudo, em razão das estritas fronteiras do universo diegético e mesmo das personagens, e da pulverização temática. O filme é sobre imigração, mas também sobre diferentes gerações ao retratar a relação Faísca-Brasa. Nesse caso, por que o conflito interno da protagonista demora tanto a surgir e só surge graças a Gota? Desse modo, ela se torna contraditória. Além disso, por que a personalidade de Névoa é suavizada, dissolvendo a sátira à burocracia estatal? Quanto ao romance, além de previsível, incorpora um clichê shakespeariano trabalhado de maneira engessada e que ignora por completo o fato de Faísca ser uma imigrante e de eles serem de classes sociais distintas. Isto é, se ela não fosse imigrante e se tivesse boa condição financeira, a dificuldade do romance seria o mesmo, pelo simples fato de serem “pessoas de elementos distintos”. Logo, a obra diversifica mal os seus temas e não os conecta devidamente. Mas, claro, tem seu charme: ignorando o invólucro esquecível, o que está dentro é nada menos que tudo o que já foi feito (melhor) antes.