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“MISSÃO: IMPOSSÍVEL – ACERTO DE CONTAS – PARTE 1” – Comparativo e superlativo

Em gramática, há uma classificação que divide os adjetivos em comparativos e superlativos. Transpondo a lógica gramatical para a franquia “Missão: impossível”, MISSÃO: IMPOSSÍVEL – ACERTO DE CONTAS – PARTE 1, certamente o sétimo episódio mira no superlativo, querendo ser “o mais” incrível, porém deixa a sensação de ser, comparativamente, “apenas” ótimo, sem superar alguns de seus antecessores.

Novamente ao lado de Ilsa, Benji e Luther, o agente do IMF Ethan Hunt precisa encontrar uma chave que dá o controle de uma arma capaz de ameaçar a humanidade. A arma representa um perigo que dificulta a missão da equipe, que precisa lidar com uma ladra e um homem misterioso que tornam a jornada ainda mais árdua.

(© Paramount Pictures / Divulgação)

Christopher McQuarrie assumiu a franquia MI em 2015, com “Missão: impossível – nação secreta” (quinto filme), elevando o patamar do já ótimo “Missão: impossível – protocolo fantasma” (quarto filme). O cineasta seguiu para o sexto filme, “Missão: impossível – efeito fallout”, e dirige novamente o sétimo, de 2023. Ainda que não tenha exatamente revolucionado a estrutura da franquia, McQuarrie, primeiro, fez de Ethan alguém mais sensível em relação a quem o cerca, segundo, cria personagens muito mais complexas e dúbias – é o caso de Ilsa, representada muito bem por Rebecca Ferguson, equilibrando seu lado independente e seu lado frágil, e da imprevisível “Viúva Branca” de Vanessa Kirby -, e, terceiro, elabora um vilão à altura de Ethan. O sétimo episódio tem em suas bases exatamente a mesma lógica, porém não traz novidades realmente surpreendentes.

Ilsa e a Viúva Branca retornam; desta vez é a perspicaz Grace (Hayley Atwell) que obstaculiza a empreitada de Ethan. Não há dúvida que ela seja diferente das outras duas e que a personagem tenha potencial, porém o roteiro, escrito por McQuarrie e Erik Jendresen, não lhe dá muita substância, apenas instrumentalidade. Ilsa transita entre inimiga e aliada de Ethan; a Viúva Branca é a representação de um mundo clandestino; Grace, diversamente, não tem camadas além da superfície – ainda assim, Atwell engana com expressões de vulnerabilidade ocultando a sagacidade. Outra boa atuação é a de Pom Klementieff, com uma personagem que consegue os holofotes apesar do pouco espaço; o mesmo não se pode dizer do simplório vilão de Esai Morales.

É bem verdade que MI não se destaca por seu roteiro, contudo o sétimo filme tem um tema que não poderia ser mais atual, trabalhado, todavia, de maneira pueril – como pelo diálogo expositivo envolvendo Kittridge (Henry Czerny) – e bastante rasa. É possível ignorar a dose de suspensão da descrença exigida, pois faz parte da proposta, e mesmo lacunas inexplicáveis (os olhos de Alana, por exemplo), mas o texto, diante da boa ideia temática, poderia ser mais contundente. É insuficiente o modo como é demonstrado o cenário de incerteza constante (para Ethan) causado pelo inimigo, o filme poderia, por exemplo, mostrar como isso pode afetar a vida de pessoas comuns.

O fato de MI7 repetir muito do que já foi feito antes na franquia é ambivalente. De um lado, é encantador o uso de locais distintos do globo para as etapas das missões, principalmente pelo modo como o filme consegue se adequar a cada um deles. Quanto Ethan está no deserto, a fotografia arenosa e poluída pela areia se mescla com os ruídos de ventania da tempestade, gerando uma imersão inegável. Por outro lado, algo similar já havia sido feito em MI4, quando o vilão foge do protagonista. Da mesma forma, as perseguições são similares a MI5, inclusive usando um veículo em uma escada. Até mesmo uma piada é repetida: como no quarto filme, Benji (Simon Pegg) demonstra entender que sua tarefa é a difícil, enquanto que a de Ethan é a fácil. Em síntese, não há novidade.

Entretanto, o que faz da franquia MI única é a habilidade de elevar o patamar da ação. A cena de um veículo descendo escada pode não ser nova, mas agora há um elemento que dificulta ainda mais a fuga. As músicas orquestrais deixam clara a intenção de tornar tudo o mais grandioso, de uma simples fuga do aeroporto a um embate entre personagens. Mesmo com margem de previsibilidade, McQuarrie é habilidoso em criar tensão, independentemente do quão fechado seja o plano. A cena da luta no beco, por exemplo, deixa qualquer espectador sem piscar ao usar a contraluz na clausura (além da montagem paralela), o mesmo ocorre na sequência do trem, cujo grand finale é de tirar o fôlego. O cineasta deixa a desejar no romance (a cena em Veneza) e exagera no uso de plano holandês, mas ele precisa apenas de um MacGuffin para que Tom Cruise empreste a Ethan a sua estrela. MI7 é menos surpreendente que os dois anteriores e se equivoca ao pensar que injetar maiores doses de impossibilidade no trabalho do protagonista implica maior qualidade. Comparativamente, portanto, o longa está um degrau abaixo. Porém, Ethan Hunt está no degrau máximo dos filmes de ação. Este superlativo ninguém retira dele.