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“A SALA DOS PROFESSORES” – As fragmentações que tecemos

A nossa percepção se submete a uma série de desvios, sujeita a relativizações e bagagens específicas que em muito norteiam a maneira de se ver o mundo. Na compreensão do Outro, é improvável a planificação desse processo, exposto a conflitos e opiniões que tendem a colidir diferentes realidades, umas contra as outras. Ambientado unicamente no interior de uma escola, universo particular das mais variadas crenças, princípios e classes, A SALA DOS PROFESSORES mergulha na complexidade dessas formulações, propondo um exercício de claustrofobia e suspensão onde nada é o que parece ser.

Angustiada com a onda de furtos que se espalha pelo colégio em que trabalha, a professora Carla Nowak resolve investigar com as próprias mãos. Cansada do clima de tensões e suspeitas voltadas aos seus alunos, ela implanta uma câmera na sala título e tenta solucionar tais questões. O material obtido, entretanto, amplifica ainda mais os dilemas, gerando um enorme embate entre alunos e funcionários. Imersa em uma série de contradições, ela percebe a dificuldade de se encontrar a verdade.

Pela emulação de uma câmera sempre próxima, contínua na preservação dos movimentos e um tanto opressora, é interessante observar como Ilker Çatak introduz um alarmante senso de vigilância. Ainda que os espaços abertos e os ângulos superiores – comumente incorporados na criação de um visionamento externo – não sejam o grande foco da montagem, o diretor introduz uma espécie de auto-observação constante, em que a protagonista revisa as bases de seu pensamento e desafia os limites das próprias ações.

(© Sony Pictures Brasil / Divulgação)

É como se ela reconhecesse a própria inabilidade de trafegar a questão dos roubos antes de se tornar, também uma vítima, ainda que inconscientemente. Adentra então um estado de paranoia, bem amplificado por esse dispositivo da fotografia, e pela manipulação sonora. Manipulação essa que embora apresente algum didatismo, funciona na medida em que corrobora para esse senso de desnorteamento pela experiência particular, elencando motivações e narrativas pessoais capazes de nos confundir internamente.

Na manutenção dessa atmosfera de sufocamento, todavia, a produção acaba se perdendo entre o cinema de gênero e seu tecido sociológico, embora tais formas de construção artística tenham diálogo em sua própria essência. Mas o foco nesse recurso de filiação à protagonista exclui pontos de vista cuja inclusão agregaria em muito ao projeto, bem como configura uma permanência tonal quase constante e que pouco avança estruturalmente.

Não que seja o caso de cobrar uma conclusão da narrativa de forma mais direta, mas paira uma dissociação entre tese e linguagem no âmbito desse progresso. Visões como a das crianças – e que, mediadas pela falta de vivências e pela ingenuidade, poderiam em muito acrescentar à discussão perceptiva – são renegadas ao exterior, e em sua derrocada temática o filme pouco é recompensado por sua formalidade básica.

No entanto, seria injusto afirmar que o interesse pelo desfecho não se renova, talvez pelo mérito dos olhares magnéticos de Leonie Benesch enquanto protagonista, talvez pela mesma manipulação técnica. A suspensão quanto a conduta de todos ali se mantém por todo o percurso, buscando em nosso inconsciente a fundamental atração pelo desconhecido, e como essa reflexão última nos divide internamente.

Resta um suspense com um dispositivo claustrofóbico dividido entre a sua forma e o texto, penando no alinhamento orgânico entre as duas vertentes. A ideia é de uma indecisão entre a diluição da sanidade de uma mulher que não sabe no que acreditar, e a construção compartilhada de um grupo ameaçado por julgamentos e suposições, esferas que dialogam enquanto projeto mas não encontram uma realização coesa. Há um reconhecimento interessante do cinema enquanto palco de extensão sensorial de seus protagonistas, mas o excesso operístico da abordagem nunca deixa de se repetir enquanto reafirmação auto referente.

Desse modo, “A sala dos professores” esgota seus principais códigos com pouco tempo de duração, tentando elencar uma sobrevida aos seus conflitos que nunca se concretiza de fato. A dubiedade de sua protagonista compensa essa derrocada e justifica o projeto, indagando o espectador a tentar decifrar suas variadas contradições internas. Com erros e acertos, é sempre interessante investigar o desconhecido, especialmente quando seus reflexos induzem a pensar sobre nossas próprias incógnitas.