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“CLUBE ZERO” – Discurso estéril

Existe uma dissociação muito frequente entre a forma e o conteúdo. Ainda que a maioria dos filmes saiba emular a atmosfera intrínseca a suas premissas, isso nem sempre ultrapassa a superficialidade, afundando obras em potencial. CLUBE ZERO incorpora esse mesmo elo com bastante cinismo, que em pouco invoca o espectador.

Recém-contratada para trabalhar em um colégio de elite, Senhora Novak inicia um curso de nutrição com um pequeno grupo de alunos. Obcecada por seus métodos únicos de alimentação, ela convence alguns deles a seguir os seus conselhos à risca, prejudicando brutalmente as suas vidas.

Condicionado por um código de pressões de um ambiente escolar já ritualizado pelo audiovisual, a direção de Jessica Hausner aposta em uma roupagem bastante ríspida, centrando seus acontecimentos quase exclusivamente na instituição. Os corredores cinzentos e intermináveis ressaltam a frieza das pautas ali em discussão, as paredes geométricas sugerem a necessidade de se ordenar a disciplina, e a ideia do sistema opressor se inscreve sem nenhuma dificuldade.

(© Pandora Filmes / Divulgação)

É igualmente evidente como o filme trabalha a alienação. Uniformizados em vestimenta e arcabouço facial, os estudantes encontram pouco ou nenhum espaço para se expressar. Ainda que corrobore com a proposta geral, isso invalida uma maior aproximação com essas figuras, que mesmo partilhando de um conflito em comum, poderiam abrir alguma margem à individualização em sua maneira de resistir ou ceder à Senhora Novak (Mia Wasikowska).

À exceção dos mais extremos, seja na resiliência contra os comandos da professora, ou na aproximação excessiva da mesma, a sua padronização contradiz algumas das intenções da obra, mesmo em seu estilo soturno e desesperançoso. Inexistem símbolos que salientam a identidade das presenças, reduzindo os estímulos que poderiam corroborar para a atenção do espectador. Questões como performance social e bulimia se espelham na montagem de comparação entre uns e outros, mas nada que alavanque uma urgência de se torcer contra ou a favor dessas personagens.

Seria injusto aplicar essas críticas a Ben (Samuel D Anderson), fragmentado internamente entre os conselhos de sua mãe e as ameaças nutricionais de Novak, e seu oposto, Fred (Luke Barker). O último se aproxima irreversivelmente da protagonista, compensando a distância dos pais ausentes. Ambos são mais valorizados pelo projeto, reforçando a tensão daquele microcosmos prestes a se chocar com as próprias contradições.

Ainda assim, todavia, o que domina a obra é a espiral frágil de seu roteiro, destrutivo em suas tentativas de convencer o espectador da própria palpabilidade. Os argumentos da personagem de Mia Wasikowska – atriz talentosa mas que aqui se reduz à performance clínica e exótica, sempre sustentada pela mesma tônica facial – não parecem dialogar com a unidade da produção, pouco clara na gama de comentários que procura tecer.

Embora fiquem claras as camadas temáticas, indo da micro discussão nutricional ao macro ideológico das forças de dominação capitalista – a comida “má”, industrial, como male de uma geração que apenas busca a própria e contraditória perseverança -, existe pouca coerência na articulação sendo desenvolvida. A ameaça de Novak se dilui em suas frases repetitivas e pouco convincentes, enfraquecendo a personagem supostamente estabelecida como uma força de magnética dominação.

A falta de um maior embasamento para as suas filosofias – ainda que o longa se autorize, até certa instância, dialogar sobre a fé e a crença irracional em alguns preceitos – transforma o debate em uma interação maniqueísta. Ainda que as interações ríspidas e o espaço gélido tentem salientar um ambiente misterioso, existe pouca dualidade nas proposições da diretora, e não existem decisões que os espectadores mais atentos sejam incapazes de prever.

Esse esvaziamento precoce das reflexões levantadas é acompanhado do acabamento visual do longa, que pouco se distancia dos recursos mencionados anteriormente. O abuso gratuito do zoom in tenta desvendar vieses escondidos, apenas para se esgotar enquanto um falso recurso de amplificação do suspense. A preferência pelos planos abertos desvaloriza o enclausuramento inerente ao roteiro, não se valendo tanto como plataforma social quanto em experiência.

Finalmente, inexiste qualquer senso de valorização do corpo em cena, seja na administração dos atores em cena – cujos conflitos poderiam em muito ser engrandecidos pela forma como são dispostos em plano -, e especialmente pela ligação tímida do assunto central com esse registro imagético. Desse modo, “Clube zero” força a relevância de suas temáticas para tentar dar contorno a um filme que carece de forma, se não pela emulação de uma série de ilustrações que em nada alavancam uma obra sem nada a dizer.