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“CASA GUCCI” – Um casal conquistador

No mesmo ano (2021) em que apresentou ao público o no máximo razoável “O último duelo” (clique aqui para ler a nossa crítica), Ridley Scott se redime com CASA GUCCI. É um filme com muitos atributos técnicos e capaz de cativar o público, mas não na sua íntegra.

Em uma festa, Patrizia Reggiani conhece Maurizio Gucci, por quem se apaixona à primeira vista. Seu feliz relacionamento começa com amor, mas caminha em uma triste direção graças ao sobrenome de Maurizio, que é membro da família fundadora da marca italiana Gucci. Com a empresa, eles se envolvem em um ambiente de luta por poder, traições e cobiça.

O longa é majoritariamente pautado do ponto de vista de Patrizia, interpretada por Lady Gaga. O trabalho da atriz é satisfatório tanto quanto o de Adam Driver, este no papel de Maurizio. No primeiro ato do filme, que é a melhor, no início do relacionamento, a química entre os dois funciona bem e é interessante conhecer as respectivas personalidades. Enquanto Patrizia é decidida e vai atrás do que quer (inclusive mais do que ele imagina, já que ela o observava antes mesmo da biblioteca), ele é inerte e tem pouco jeito com ela. Mesmo na primeira interação entre eles, há um mal-entendido, o que torna mais romântico o relacionamento. Depois, quando se encontram e saem da Galeria Vittorio Emanuele II (de um restaurante) para comer em frente ao Duomo di Milano (comida de rua), novamente a doçura do relacionamento é encantadora. O primeiro beijo não tem o mesmo encanto apenas porque o diretor teve pressa na mise en scène naquela cena específica – o que é estranho, já que o filme de Ridley Scott tem mais de duas horas e meia.

(© UNIVERSAL PICTURES / Divulgação)

Ainda no primeiro ato aparece Rodolfo, pai de Maurizio, vivido por Jeremy Irons, no piloto automático do perfil do idoso mal-humorado. Sua personagem é unidimensional e o roteiro de Becky Johnston e Roberto Bentivegna destina praticamente apenas um diálogo entre ele e o filho para mostrar que o estado de espírito do pai é justificado pela morte da esposa. Entretanto, há uma contradição no texto quando Aldo, personagem de Al Pacino, deixa claro que seu irmão Rodolfo sempre foi assim. Aldo aparece no segundo ato e dele quase toma conta: Pacino é um gigante em cena não tanto pelo texto, mas porque a vividez que ele concede a ele é brilhante. Aldo é simpático e engraçado, isso faz parte do papel, mas se torna divertidíssimo também pelo carisma de Pacino, que demonstra enorme conforto e descontração ao viver a personagem. No elenco está também Jared Leto, irreconhecível em razão da maquiagem e das próteses colocadas nele.

O trabalho técnico, como mencionado, é realmente muito bom. Primeiro, o de maquiagem, especialmente em Leto. É de se destacar também o penteado feito em Gaga e Driver, praticamente um dueto das personagens principais. Quando Patrizia surge, ainda sem grandes pretensões e diante do (em tese) poderoso Maurizio Gucci, ela tem um cabelo curto e rente à cabeça, enquanto o cabelo é mais comprido. Posteriormente, quando ela se utiliza dele para exercer as próprias ambições e ele se apequena, ela deixa o cabelo crescer, fica cacheado, mais comprido e para os lados, enquanto ele fica com os fios mais curtos. Quando a situação se inverte, a inversão se reflete no penteado. Outro primor é o figurino, o que é de se esperar em um filme que tem o nome Gucci em seu título. Os homens usam ternos elegantes e de cores sóbrias (exceção feita a Paolo, que veste tons coloridos e que nem sempre combinam, mas porque ele é sempre um ponto fora da curva), enquanto Patrizia usa cores como vermelho e verde, destacando-se visualmente. O vestuário de Patrizia tem bastante maleabilidade a depender do contexto – por exemplo, na loja em Nova York, ela usa um elegante vestido vermelho; em uma fazenda, ela veste uma camisa azul céu, cinto marrom e saia azul.

A montagem do filme é muito bem feita, com transições rápidas, mas que fazem sentido. Por exemplo, quando Maurizio fala na frente da casa de seu sogro, há um corte para a divertida cena seguinte, ao som de “Sono bugiarda”, sem diálogos, uma elipse que já explica tudo. Outro exemplo se dá quando Aldo liga para o casal principal fazendo um convite: ocorre um corte para a cena seguinte na qual, tocando “Il barbiere di Siviglia”, começa a aparecer a casa de Aldo e, em seguida, a música entra em sincronia com imagens levemente bizarras aqui suprimidas para evitar spoilers. Por sinal, há diversas árias belíssimas no filme, o que combina com a dramaticidade italiana e a sua atmosfera. A cena em que é cantada “Die Zauberflöte”, utilizando, assim, música intradiegética de maneira dramática, é simplesmente genial.

Se “Casa Gucci” fosse feito de montagem, (uso da) trilha musical, figurino, maquiagem, penteado e Al Pacino, seria um dos melhores filmes da temporada 2021 com tranquilidade. Mas não é. Ridley Scott parece incapaz de fazer filmes com menos de duas horas (ou ao menos perto disso), alongando em demasia o que não precisa ser alongado. O longa é ótimo quando cresce, contudo, quando inicia sua previsível queda em termos narrativos, o cineasta não consegue manter o ritmo, tampouco o encanto daquele casal que já conquistou o público. Pensando por outro lado, se já conquistou, não vai perdê-lo com a falta de fôlego do desfecho.