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“MINHA MÃE É UMA PEÇA 3” – Muitos risos e pouco cinema

Enquanto comédia, a franquia “Minha mãe é uma peça” atinge seu escopo de fazer seu espectador rir, porém sua qualidade, em termos cinematográficos, é bem questionável. MINHA MÃE É UMA PEÇA 3, seu terceiro capítulo, segue a mesma lógica dos predecessores, avançando em um aspecto e estagnando em outro.

Na trama, Dona Hermínia descobre que a sua família está prestes a crescer: Marcelina engravidou e Juliano vai se casar. Além disso, seu ex-marido, Carlos Alberto, resolve se mudar para o mesmo prédio onde ela mora, buscando uma reaproximação.

(© DOWNTOWN FILMES / Divulgação)

O roteiro de Paulo Gustavo – que também interpreta a protagonista – não é propriamente de um filme, mas de um conjunto mais ou menos ordenado de esquetes. O humor é incontestável, porém faltam progressão e unidade narrativas para que o longa se torne mais coeso. Há uma concatenação de ideias em visão macro, contudo não são poucas as cenas que destoam da trama, como aquela em que Dona Hermínia vai a uma banca de jornais e revistas (não faz sentido expandir a personalidade no terceiro episódio, quando esse elemento já está estabelecido) e a longa sequência (engraçada, mas totalmente desconexa do restante da narrativa) em que Dona Hermínia viaja para o exterior. Isso sem contar uma publicidade dispensável de um filme e de um canal e um momento solitário introspectivo sem criatividade, como exemplos dessa falta de unidade.

Não obstante, como se trata de um filme de comédia, tudo serve de pretexto para as piadas (como o carro de Lúcia Helena e a cama de Ana), que, em geral, são genuinamente engraçadas. Faz sentido, tendo em conta que Paulo Gustavo escreveu a obra homenageando a própria mãe, que lhe serviu de inspiração (e, por mais surpreendente que possa parecer, de maneira bem atenuada). A mensagem do final do longa é capaz de fazer lacrimejar os espíritos mais sensíveis, sobretudo considerando o mote da síndrome do ninho vazio.

É verdade que o tema já tinha sido abordado no segundo filme; a diferença, todavia, é que à dolorosa ausência dos filhos se associa um crescimento numérico na família, contexto que é premissa do script e que praticamente não progride na narrativa. Na ótica da protagonista, é injusto (lembrando se tratar de uma comédia) que os filhos resolvam os próprios problemas sozinhos, sem “levar um pepino para a mãe resolver”. A personagem é fascinante, ainda que estereotipada (liberdade criativa autorizada pelo humor): Dona Hermínia, acostumada a se queixar de tudo, reclama também do fato de os filhos não lhe permitirem grandes interferências em suas vidas. A saída de casa já foi sofrida, sendo ainda pior a ausência e tantas novidades sem que ela veja.

Paulo Gustavo é hilário no papel que o consagrou, tentando deslizar por outras áreas – o canto e o drama, ambos no mesmo filme – sem muito êxito. Sua caracterização estética é muito boa como sempre, não havendo novidades nesse tocante. No elenco de apoio, Rodrigo Pandolfo (Juliano) e Mariana Xavier (Marcelina), por já estarem familiarizados com as personagens, vão bem nos papéis, o que não se aplica a Herson Capri, que vive um Carlos Alberto com expressão cínica e inexplicavelmente querendo reconquistar Dona Hermínia – como se não bastasse, o subplot é abandonado.

A direção de Susana Garcia não é ruim, destacando-se no uso de filtro amarelo nos flashbacks (que, por sinal, são ótimos, em especial no uso de efeitos visuais na casa da protagonista) e a organicidade de algumas passagens, com raccords muito bem feitos (como quando Dona Hermínia sai de uma feira de rua e chega à beira da praia). A escolha da trilha musical é, por vezes, inusitada (por exemplo, a versão de “Por você” de Agnes Nunes, bastante lenta e com viés dramático).

(SPOILERS!) Uma questão problemática de “Minha mãe é uma peça 3” se refere à ausência do beijo entre Juliano e Tiago no casamento, algo que reflete a mentalidade retrógrada de parcela do público (que a produção não quer deixar de fora, para não prejudicar a bilheteria). Ironicamente, o filme tem um discurso a favor do movimento LGBTQIA+, inclusive mais de uma vez, porém é notório que palavras não têm o mesmo impacto que um elemento visual. Mesmo quando o filme questiona o normativismo cisgênero, na cena em que Juliano, ainda criança, vai a uma festa à fantasia vestido de Emília (do Sítio do Picapau Amarelo), não há a mesma contundência de um beijo entre dois homens adultos. O discurso pode passar despercebido em meio às piadas, o que não ocorreria com um beijo. Palavras são só palavras. É a vitória do lucro dos estúdios face à função social do cinema. (FIM DOS SPOILERS)

O terceiro capítulo da franquia tem um avanço no que se refere ao universo diegético, pois as personagens se tornam mais reais e até mesmo mais adultas. Entretanto, considerando a simplicidade narrativa, que ora infla o filme com o que não precisa, ora descarta potenciais subplots, a estrutura da obra não saiu do lugar, recaindo nos mesmos equívocos já vistos nos episódios anteriores. Diverte e faz rir, mas é cinematograficamente falho. Com olhar mais rígido, pode-se dizer que aquilo nem é cinema.