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“PÂNICO 3” (2000) – De volta às origens

* Clique aqui para ler a nossa crítica de “Pânico 2” (1997).

** Clique aqui para ler a nossa crítica de “Pânico” (1996).

Em algum momento, o terceiro capítulo de qualquer trilogia recebe questionamentos similares: tudo fez parte de um plano artístico já pensado anteriormente ou as continuações foram frutos do sucesso comercial? Em 2000, PÂNICO 3 foi rodeado de dúvidas assim por não contar com Kevin Williamson na escrita do roteiro, ainda que Wes Craven continuasse na direção. Como resposta à pergunta inicial, o terceiro filme mantém a metalinguagem como unidade estilística e a desenvolve voltando às origens da trilogia, dos personagens e do próprio fazer cinematográfico.

(© Paris Filmes / Divulgação)

Passaram-se alguns anos desde que Sidney Prescott, Gale Weathers e Dwight Riley sobreviveram a mais uma série de assassinatos praticados por um psicopata mascarado. Nesse período, está sendo produzido “A punhalada 3“, novo filme inspirado nos crimes de Woodsboro. Então, o que parecia terminado ressurge, quando outro assassino começa a fazer suas vítimas e Sidney nota que não pode mais fugir do seu passado. Desta vez, contudo, as regras não são as mesmas e tudo pode acontecer.

Uma das formas de fazer os habituais comentários metalinguísticos é colocar em cena Randy, o especialista nas regras e fórmulas do cinema e do gênero terror. Apesar de o personagem não ter sobrevivido ao segundo filme (o que é ironizado pelos atores de “A punhalada 3“), sua presença é possibilitada pelo artifício de exibir um vídeo gravado por ele sobre os cuidados que Sidney, Gale e Dwight deveriam ter. Em muitos sentidos, a sequência ilustra as bases da narrativa a começar pela maneira como Dwight parece conversar com a gravação de Randy, algo que sintetiza a relação que se estabelece entre a obra e o espectador. Em seu vídeo, o jovem disserta sobre as características das trilogias, um tipo de continuação com princípios próprios: o vilão seria um super-humano que resistiria a facadas e a tiros, todos correriam perigo inclusive a protagonista e as explicações para os homicídios vêm do passado revisitado e ressignificado por segredos revelados. É o conteúdo da gravação que norteia a unidade estilística da produção, sobretudo o papel do passado.

As investigações conduzidas pelo detetive Mark Kincaid, tendo o apoio de Gale e Dwight, apontam de variadas formas para o passado. O trabalho apenas será possível se a apresentadora de TV e o ex-policial superarem suas antigas desavenças, inclusive a tentativa de relacionamento que fizeram. Os assassinatos de Woodsboro ainda estão vivos na memória de todos porque são o material base para todas as versões de “A punhalada“. Os atores e a equipe de filmagem de “A punhalada 3” são potenciais vítimas e suspeitos dos assassinatos praticados novamente por alguém com a máscara de Ghostface. E Sidney lida com pesadelos sobre sua mãe e com as ligações do assassino que falam sobre quem realmente era Maureen Prescott. Os próprios atos do serial killer levam as investigações para a direção de Maureen, já que ele coloca fotografias da mulher próximas aos corpos das vítimas. No entanto, o roteiro peca ao vilanizar a personagem associando sua morte às relações amorosas com muitos homens.

Fazer do passado praticamente um vilão é uma escolha narrativa que encontra seu melhor momento em uma das sequências que se desenrola nos estúdios de “A punhalada 3“. No local, são reconstruídas uma parte da cidade de Woodsboro e da antiga casa de Sidney para servirem de locações para o filme fictício. É ali que a protagonista é perseguida por Ghostface, correndo pelos cômodos da residência e pela calçada da frente da construção. Acima de tudo, é a reconstituição de um lugar que traz recordações dolorosas para ela que se revela uma ameaça adicional, seja porque relembra o quarto onde a mãe foi encontrada assassinada, seja porque revê uma réplica semelhante do próprio quarto. O tempo em que fica ali é o suficiente para ela ouvir na mente uma antiga fala de Billy Loomis e para o espectador reconhecer o caráter artificial da produção cinematográfica no trecho que se vê uma porta que dá para uma parte inacabada do cenário.

De acordo com Randy, retornar ao passado é a principal chave para compreender o que acontece e não somente para os crimes. Se os personagens precisam voltar às suas origens para sobreviver, a narrativa parece fazer o mesmo para afirmar o sentido de sua existência, o que nesse caso e em última instância significa dizer que tudo é a construção de um filme. Por isso, o diretor Wes Craven e o roteirista Ehren Kruger criam duas sequências que buscam as origens do cinema na escrita do roteiro: um dos assassinatos ocorre no departamento de figurino e efeitos especiais, onde uma figurante contesta o fato de o roteiro colocá-la como a segunda vítima e o crime ocorre após a leitura do texto; e outra morte acontece no interior de uma casa após o assassino enviar por fax a sucessão de acontecimentos naquela situação sob o formato de páginas de um roteiro. Além de aludir ao trabalho dos roteiristas, este subtexto também depende do uso do figurino e dos objetos cênicos de “A punhalada 3” para construir a tensão na primeira sequência citada anteriormente.

Já seria consideravelmente expressivo para a unidade estilística da trilogia o uso da metalinguagem como elemento da diegese. Porém, o realizador vai mais a fundo na perspectiva de que a volta às origens no mundo do cinema também deve considerar as pessoas, as funções desempenhadas e os conflitos existentes. Desde os princípios, discute-se se o autor de um filme seria o produtor, o diretor ou o roteirista. Esta disputa é incorporada pela narrativa de modo irônico, alternando entre as críticas feitas a cada um dos três profissionais. O produtor é visto como alguém que corrompe a vida de estrelas em busca de lucro pessoal, o roteirista é caracterizado como alguém que determina os rumos dos fatos e o diretor é encarado como alguém que manipula todas as variáveis em jogo para dar o sentido que somente ele deseja.

À época de seu lançamento, “Pânico 3” sofreu críticas por eventuais “furos de roteiro”. Invariavelmente, a resolução do mistério sobre a identidade e os motivos do assassino pode manipular a dramaturgia em volta do passado de Maureen Prescott de formas rocambolescas. Entretanto, o primeiro e mais significativo do filme é sempre sensorial, não obedecendo aos limites que a lógica tenta impor. Nesse sentido, Wes Craven continua inovando na metalinguagem do seu projeto através de uma narrativa que expõe conscientemente as convenções e regras do cinema de terror para divertir e assustar. E tendo consciência de que, ao fim e ao cabo, são os personagens que movem a relação do público com a obra, Sidney, Gale e Dwight seguem seus arcos dramáticos por um caminho que parecia finalizado. A não ser, por uma porta aberta que, anos mais tarde, levaria a trilogia para uma franquia.