Nosso Cinema

A melhor fonte de críticas de cinema

“GATO DE BOTAS 2: O ÚLTIMO PEDIDO” – O início de uma nova era?

Se você tivesse a oportunidade de fazer um pedido mágico, o que pediria? Em GATO DE BOTAS 2: O ÚLTIMO PEDIDO, as personagens já sabem o que desejam e disputam o artefato que garantirá a sua realização. O que o filme questiona é o próprio desejo, pois o que cada um quer nem sempre corresponde ao que precisa. Apesar de sua ideia governante não ser nada inovadora, existem boas surpresas na obra.

Após gastar oito de suas nove vidas (nos EUA, gatos têm nove vidas, ao invés de sete, como aqui) em variadas aventuras, o Gato de Botas não pode mais seguir com seu estilo de vida perigoso. Quando surge a oportunidade de buscar a Estrela do Desejo, a chance de ganhar novas vidas lhe dá uma nova esperança. Para isso, encontrará novos e velhos amigos, mas também fará inimigos.

(© Dreamworks / Divulgação)

Do ponto de vista do universo diegético, a continuação do longa de 2011 é bastante fiel ao seu original, como no uso de histórias fantásticas como base e no desenvolvimento da personalidade de seu protagonista. Quanto ao Gato, Alexandre Moreno continua ótimo na dublagem, porém dessa vez o protagonista não é exatamente o mesmo. Sua postura indômita é enfraquecida ao descobrir que a atual é sua última vida e que a morte, representada por um assustador Lobo, o persegue. Sem perceber, o Gato já não é mais o mesmo e precisa tomar consciência de que ter apenas uma vida significa valorizá-la ao máximo.

Para esse aprendizado, o herói conhece Perrito (“cachorrinho”, em espanhol), um cão que é praticamente o seu oposto. O timbre grave e aveludado de Moreno é então contraposto à voz aguda que Marcos Veras cria para o novo amigo do Gato, característica que combina com Perrito em razão da sua pureza e ingenuidade. Se Perrito fosse “apenas” engraçado isso já seria um valor agregado à obra, mas a personagem é uma verdadeira fonte de aprendizado e transformação, essencial para o arco narrativo do Gato. O carisma cômico que o protagonista explora com seu famoso olhar é aliado a um carisma, igualmente cômico, porém mais perene. Perrito não quer aventuras que demonstrem sua bravura, mas “curtir cada momento” sem pressa. Suas palavras não são de ceticismo ou desconfiança; ele não precisa que seu amigo acredite nele desde que o Gato acredite em si. Ele mesmo se declara como “melhor amigo e cão terapeuta”, inserindo no universo diegético uma fofura até então inexistente.

Na verdade, não são poucas as novidades do segundo filme. Ainda que o protagonista fosse um desbravador estimulado pelo perigo ao enfrentar seus inimigos, o Lobo é uma ameaça sem precedentes. Não é difícil que uma criança pequena se assuste com a figura, cuja voz rouca e ameaçadora de Sérgio Moreno é somada a um visual amedrontador (armado com foices, vestido com um capuz na cabeça, e com os olhos vermelhos) e aparições que criam uma atmosfera sombria (em especial através pelo assovio e pela incerteza da sua presença). Os outros vilões, por outro lado, decepcionam um pouco. João Trombeta (Bernardo Legrand) é a representação de um mal puro e unidimensional, não conseguindo ser envolvente e constituindo apenas uma origem para referências a seres e objetos mitológicos (Pinóquio, tapete mágico etc.). Quanto à Cachinhos Dourados, é verdade que a vilã tem mais camadas, mas sua humanidade demora para aparecer e, até lá, a voz de Giovanna Ewbank já fez um estrago. Talvez a atriz tenha sido escolhida pela semelhança física, mas não apenas seu trabalho de dublagem é absolutamente insosso (sua incapacidade nas entonações vocais é notória) como seu próprio timbre é demasiado doce para uma vilã.

Outra inovação que merece destaque é a animação utilizada pelos diretores Joel Crawford e Januel Mercado. Diversamente da opção gráfica do primeiro filme e mesmo da franquia original (Shrek), que usava uma animação 3D (não confundir com filme 3D) hiper-realista, “Gato de Botas 2” emprega animação conhecida como 2.5D e é altamente estilizada. A animação 2D nasceu com os desenhos feitos à mão, sendo marcados pela falta de profundidade (sua geometria não é tridimensional e as imagens são planas). Já a animação 3D é oriunda dos trabalhos computadorizados e é capaz de dar perspectiva ao campo por força da geometria tridimensional. O que é conhecido como animação 2.5D é um meio-termo no qual são utilizadas técnicas que fornecem à imagem que seria plana (2D) uma sensação de tridimensionalidade (3D), o que é feito através de profundidade do campo e desenhos estilizados feitos à mão – ou seja, é uma mistura de imagens 2D em um campo 3D.

O 2.5D não é novidade, mas o filme surpreende por romper com a opção de seus antecessores e se filiar a uma tendência atual das animações (cujo epítome é “Homem-Aranha no aranhaverso” – clique aqui para ler a nossa crítica), abandonando o hiper-realismo para dar traços mais cartunescos inclusive naquilo que poderia ser realista (lógica similar foi empregada em “Luca” – clique aqui para ler a nossa crítica). Como resultado, as cores ganham vividez (sobretudo na Floresta Sombria) e as cenas mais movimentadas se aproximam graficamente de histórias em quadrinho (tal qual o longa mencionado). Talvez seja o início de uma nova era para as animações.