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“PLANO 75” – O desesperador crepúsculo

Mais que um filme sobre eutanásia, PLANO 75 é, de fato, um filme sobre morte, mas também sobre vida, envelhecimento, sociedade e (in)dignidade. A ideia do longa não é enfrentar um tabu, mas questionar um sistema social de marginalização cuja solução talvez gere novos problemas, ainda que de outro viés.

O “Plano 75” é no filme um programa governamental pelo qual os idosos acima de 75 anos podem se submeter à eutanásia, mediante um tratamento que pode ser até mesmo luxuoso. Três pessoas envolvidas no Plano, duas como profissionais e uma como cliente, chegam a inesperadas conclusões em comum.

(© SATO Company / Divulgação)

A direção de Chie Hayakawa não espetaculariza a senescência, tampouco romantiza a morte. Em um retrato cru, as pessoas envelhecem, geralmente com suas limitações físicas e sentindo um isolamento social, e aguardam pela morte – ou, no caso do longa, decidem o momento do óbito. Mesmo o falecimento não ganha contornos belos com a eutanásia, pois o propósito da obra é justamente pôr em xeque a sistemática de tal instituto na vida real, com suas consequências práticas sociais, para além das individuais. É com isso que o roteiro de Hayakawa e Jason Gray fornece, no terço final do filme, revelações sobre o Plano, demonstrando que o problema social do envelhecimento (afinal, do ponto de vista estatal, uma população idosa não é o ideal) tem o potencial de se tornar um problema muito mais profundo. A cena em que a atendente ouve as orientações, por exemplo, tem um monólogo tão revoltante quanto a descoberta de uma personagem sobre uma empresa ou a prática que outra personagem aprende no trabalho.

Como se vê, em certa medida, “Plano 75” é um filme revoltante, sensação estimulada pela trama principal, protagonizada por Michi. Interpretada de maneira terna por Chieko Baishô, a cena da ligação com a atendente é emocionante ao extremo, novamente sem espetacularizar nada. O arco de Michi é o mais interessante: o filme, ao adotar sempre o ponto de vista das três personagens principais, favorece a empatia com a idosa vulnerável que ela representa, seja pela solidão gritante que ela vive – e a solidão é um tema reflexo, expressado de maneira sombria com a fala de Ineko de que “a vida é solidão” -, seja pelas limitações corporais (subindo as escadas, por exemplo) ou cognitivo para o uso das tecnologias (o tratamento dado pela funcionária no que parece uma lan house é, mais uma vez, revoltante).

Michi tem também o arco mais triste, o que fica mais claro quando ela narra seu passado para a atendente. Por outro lado, é ela quem demonstra que envelhecimento e letargia não precisam ser sinônimos, como ao compartilhar seu tempo com as amigas (a cena do karaokê a torna ainda mais carismática) ou mesmo ao se divertir no boliche. Os arcos das outras duas personagens, mesmo que reveladores, não são tão interessantes. Hiromu (Hayato Isomura) tem a descoberta mais promissora, com um desfecho decepcionante. Ainda assim, a humanidade que demonstra com o tio é um fio de esperança no olhar melancólico que Hayakawa traz para os temas abordados. Maria (Stefanie Arianne), por sua vez, é a que mais destoa, parecendo fazer parte de outro filme. Seu arco guarda coerência com a trama principal, porém a conexão é deveras remota e seu interesse individual segue uma via distante da principal, concernente ao envelhecimento.

Como mencionado, Hayakawa faz uma análise soturna da senescência, entendendo que a aproximação da morte é uma dificuldade cuja solução talvez não seja o poder de decisão quanto à ocasião (e às circunstâncias) do passamento. O crepúsculo humano é simbolicamente representado pela fotografia escura, por exemplo, nas cenas noturnas ou mesmo na pouca iluminação, bem como pelo ritmo lento, que, por sua vez, combina com o final contemplativo e alegórico. No design de produção, o cenário da prática do Plano 75 tem cores frias e parece uma mescla de escritório com hospital, transmitindo uma impessoalidade deprimente.

A intenção da diretora, de certo modo, é criticar um programa governamental que não existe, fazendo um exercício hipotético cujas conclusões, apesar de nada absurdas, são questionáveis. Se “Plano 75” desse mais espaço para a melancolia de Michi, em sua solidão e sua dificuldade de solucionar os problemas mais práticos da vida (como renda e moradia), principalmente em detrimento do deslocado arco de Maria, sua reflexão sobre a senescência seria mais contundente. Nada disso, contudo, invalida o argumento maior do longa, relativo à dificuldade de saber que o inevitável pode ser mais desesperador do que já parece ser.